19 de julho de 2010

Missão Falha: Conto Inacabado

Bom, como o Ikoma do conto de Rokugan havia dito: "Ninguém gosta de ser o mensageiro de más notícias", mas, é esse o papel que me cabe hoje. Não tenho tido boas ideias pra prosseguir com o segundo conto pro concurso, e o máximo que consegui foi desperdiçar algum tempo, neurônios e teclas do laptop. Abaixo segue o conto inacabado, que se ambientaria no "Points of Light", cenário básico de D&D 4th.

A nobreza da Agrestia das Fadas é formada pelas Casas Nobres Eladrins. Eles são um povo altivo, elegante, esguio e orgulhoso de suas tradições e dos feitos de seus ancestrais. Como nobres que são, há quem os ache esnobes e prepotentes, impressão que os nobres eladrins pouco fazem para combater. Era uma tradição quase em desuso, porém, o costume dos filhos primogênitos viajarem pelo mundo pondo seus talentos à prova, e só voltando quando tivessem atrás de si uma quantidade imponente de lendas sobre os seus feitos para orgulho de seu ramo familiar. Depois de muitos filhos nobres não voltarem mais, o costume passou a ser não tão prestigiado quanto no passado. Praticamente qualquer filho de um bralani poderia muito bem viver do prestígio de seus pais, sem exercer qualquer esforço além uso-fruto de seus domínios da Agrestia. Esta, porém, não foi a escolha de Erevan. Passar a vida enfurnado em salões cercado por “almofadinhas” dissimulados que poderiam muito bem matá-lo enquanto dormia apenas por uma trivial inveja não lhe parecia uma idéia agradável de como passar toda a sua longa vida eladrin. Desbravar o mundo, conhecer pessoas, tecer amizades verdadeiras, isso sim parecia interessante e incrível para Erevan. Desde que era garoto, ele adorava ouvir as histórias sobre o mundo banal. Sobre os odiosos orcs que seu avô combatera, a Escuridão Inferior e os gigantes fomorianos horrendos, as maravilhas de aço e concreto dos humanos, e principalmente, da glória que tinham os ímpares heróis que seu avô o levava a conhecer enquanto contava histórias nas fogueiras da mata. A tensão das buscas, a emoção da aventura, o prazer da vitória e a glória da recompensa. Esta era a vida de um aventureiro, e Erevan ansiava por ela mais do que tudo. Quando finalmente teve a chance, Erevan aproveitou a oportunidade, viajou para o mundo banal e pouco tempo depois já se aventurava ao lado de seu célebre grupo que ele conduziria à glória.
Neste momento, porém, Erevan sentia uma enorme saudade dos salões.
Tudo em que colocava os olhos o perturbava. Parecia que um furacão havia passado por ali. E seria esse o julgamento que ele faria não fosse o corpo gargarejando sangue de seu amigo Rhogar apertando com as forças que lhe restavam a mão da mulher em prantos ao seu lado. Ele, Anita e o feral que atendia pelo curioso nome de Trovão foram investigar um barulho que ouviram na mata, enquanto acampavam a caminho de onde ouviram se localizar uma matilha de gnolls. Humanóides com aspectos que lembravam hienas, os gnolls eram conhecidos por hábitos insalubres, venerarem um deus repugnante e a ele oferecerem sacrifícios vivos. Preferencialmente não-gnolls. Alguns vilarejos começaram a relatar furtos e raptos feitos por essas bestas, e o grupo de Erevan veio a esbarrar na pista do bando. Gnolls nunca foram célebres pela sua astúcia estratégica, sempre preferindo fugir a enfrentar uma ameaça séria. Mesmo assim, não estivesse tão furioso consigo mesmo, Erevan poderia até admirar a genialidade daquele plano. O barulho que ouviram na mata não era nada além de uma isca. Pretendia apenas separar o grupo e deixar o acampamento mais desguarnecido. E eles caíram no ardil como peixes em anzois.
A cálida luz da lua iluminava a clareira pisoteada pouco mais do que um punhado de velas. Rhogar quase não teve chance de perceber quando estava sob ataque, mas quando percebeu, o resultado era evidente. Embora mal estivesse se mantendo consciente, o draconato fez o plano gnoll custar caro. Ao centro do pequeno acampamento, seis gnolls estavam em estado ainda mais deplorável que o guerreiro. Ao lado de Rhogar, segurando sua mão e rezando engasgada pelas lágrimas, estava Anita. A mulher humana era uma clériga de um ramo bastante desconhecido e ímpar da igreja de Pelor. Segundo os Raios de Aurora, a vida era algo imensamente precioso. Tanto que jamais deveria ser retirada, por maiores que sejam os motivos que digam o contrário. Os clérigos dessa ordem eram mensageiros da piedade, compaixão e amor aos campos de batalha. Mesmo que por juramentos sagrados estivessem proibidos de tirarem vidas, seu fervor enquanto se mantivessem fiéis a este princípio lhes permitia a operação de milagres de curas poderosíssimas, livrando quem quer que pudessem de doenças, venenos e ferimentos mortais. Para Anita em especial, a morte era uma profanação do mais sagrado dom divino, e ver seu amigo morrendo ao seu lado era algo que lhe doía as mais profundas entranhas da alma. Suas orações pela vida de Rhogar eram engasgadas pelo seu choro incontido. Suas lágrimas avermelhavam seus olhos e seu rosto de pele clara. Anita era uma mulher de aparência palaciana, com cabelo castanho encaracolado. Ela carregava poucas proteções além de seu espesso manto batido pelos rigores das viagens e um amuleto com o símbolo de Pelor feito em bronze. Rhogar, apesar de seu estado deplorável, ainda esboçava um sorriso por trás de vários talhos que não discriminavam carne de armadura. Era visível que o draconato mal se aguentava consciente, mas estava feliz pelos seus amigos terem voltado, e por ter dado o seu melhor num combate impossível de se vencer sozinho. Em sua bravura e vigor, apesar de seu estado grave, Rhogar não se permitiu um grito de dor. Trovão parecia ter uma visão mais prática da situação. Ele vasculhava a desordem feita pelos assaltantes, tentando quantificar o que perderam e descobrir alguma pista que os levassem aos bandidos. Os ferais eram um povo descendente dos metamorfos. Eles possuíam características de animais selvagens, combinando-as com o intelecto “humano”. Trovão, apesar do nome sonoro, quase não produzia som, fosse em combate saraivando os oponentes com flechas ou sequer falando. O resto do grupo até supunha que ele fosse mudo até pouco tempo atrás. Relativamente alheio a tudo isso, havia por fim Erevan, que se sentou num resto de tronco podre, com a cabeça escondida entre as mãos. Isso não teria acontecido se ele não tivesse escolhido investigar. Se estivessem todos juntos, uma patrulha gnoll não seria páreo. Se não tivessem cedido à curiosidade imbecil de seu “líder”, Rhogar não estaria à beira da morte. Erevan passou vários minutos, talvez poucas horas ainda se culpando e se martirizando por ter jogado seus amigos numa armadilha infantil que ele nunca percebeu. Não era assim que ele pensava realizar seu sonho. A vergonha e a frustração do fracasso apertavam seu crânio mais do que seus próprios dedos. O peso em sua mente impedia que tirasse seus olhos do chão.
Erevan desembainhou e contemplou por alguns momentos a lâmina arcana que fora de seu avô. O brilho refletido das runas não alegrou Erevan como costumava fazer antes. Seu avô, o grande bralani Arannis Sunstrider jamais cometeria um erro tolo como esse. Talvez Erevan não fosse digno de empunhar a arma de seu avô. Talvez fosse hora de perceber que realmente não tinha o talento ou sorte necessários para ser um heroi como os das histórias de seu avô. Isso realmente fora uma ideia idiota. Um barulho chamou sua atenção, e Erevan se virou para ver Trovão atrás dele.
— Ah, é você. Me assustou, Trovão. Pensei que os gnolls tivessem voltado.
— Anita precisa descansar. — Disse Trovão, direto e economizando palavras como de costume, sem se importar com os comentários de Erevan. — Rhogar ficará bem. Se também descansar.
— É o que estamos em condições de fazer, não? O que mais nos resta?
— Não levaram muito. Estamos sem comida. Mas caçarei assim que amanhecer.
— Vocês podem encontrar comida em Lacória, aquela cidade que visitamos por último.
— Se voltarmos os gnolls fugirão. Não poderei rastreá-los.
Erevan respirou fundo.
— Será melhor para todos nós. Rhogar poderá ser atendido por médicos de verdade, Anita não ficará mais sob a tensão de ser fiel aos seus dogmas, e eu, bem… Eu não atrapalharei mais o grupo.
Trovão deu a Erevan um olhar perplexo. Dada a natureza selvagem do feral, o eladrin talvez até tivesse achado que seu amigo não entendera as palavras.
______
E assim encerra minha tentativa de escrever algo prestável. O que eu queria fazer seria criar um revés na história, mostrar como as coisas parecem não dar certo, mas tudo acaba bem no final. Não consegui pensar em meios de levar a história para esse lado, mas, talvez como consolação, fico grato por ter encontrado personagens legais com o feral Trovão, que, embora não seja descrito, traja roupas esteriotípicas dos índios norte-americanos e, como mencionado, é um sujeito de poucas palavras; e a clériga Anita, muito inspirada pela ideia das clérigas de Lenna, como a Nichaela (personagem do livro O Inimigo do Mundo, do Leonel Caldela), de Tormenta. Também foi muito bom construir o Erevan, um eladrin que se lançou ao mundo como um lâmina arcana, quebrando um pouco o esteriótipo eladrin mago.

Vários motivos me levaram a desistir desse conto. Razões (na verdade, falta delas) poiéticas, que me impedem de dar uma base firme ao conto. Um motivo para o qual ele existir, pelo menos da maneira em que está. Não consegui (mea culpa, mea maxima culpa) criar um momento de revés legal. Uma reviravolta em que os herois superam todas as dificuldades que pareciam intransponíveis talvez por uma lance de sorte, talvez por uma abordagem atípica da situação. Enfim, infelizmente, eu falhei.

Talvez possa ser que eu consiga miraculosamente continuar o conto e terminá-lo até o fim do prazo do CdB, mas acho pouco provável. Bom, é só.

Um comentário :

  1. Olha, eu achei legal pra caramba. Acho que tanto o Erevan quanto você estão num ponto em que parece que o melhor é desistir, em vez de dar um passo adiante e fazer o que se propuseram fazer. Mais ou menos como o Aragorn, que ficava em dúvida sobre suas capacidades, mas no fim aceitou seu destino e foi um dos melhores reis da terra-média. Eu acho que você consegue sim.

    Quando eu me sinto assim dou uma volta, leio algo que não tenha nada a ver com o que estou fazendo, deixo o subconsciente trabalhar. Geralmente dá certo.

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