5 de setembro de 2010

Contos de Rokugan (Parte 2,5 b): Trovões em Céu Claro

Para quem estava com saudades, aqui vai mais um pouco dos Contos de Rokugan. Que andaram meio sumidos, porque ando pouco inspirado pros CdR ultimamente, mas, não desanimo assim tão fácil.

Os contos individuais estão ficando mais curtos do que eu esperava. Queria que a história conseguisse andar mais, e, bom, pode ser só eu num momento crítico de auto-crítica (aha! Gostaram do trocadilho? .... Pois é. Nem eu), mas acho que eles estão gradualmente perdendo o brilho. Também, pudera! É praticamente impossível manter aquele tom épico e empolgante do primeiro conto (lembram? A Matsu chutando o Akodo etc...) por tanto tempo. Ficaria até banal... "Olha! Lá vem o Akuma no Oni... De novo... Vai lá, Daileon!".

Bom, é isso. Gostaria de conseguir escrever mais e melhor, mas os tempos estão difíceis por aqui em muitos sentidos diferentes.

Por hoje, Isawa Sageru e Kitsuki Horai encontram divergências sobre a melhor abordagem possível para a situação que crêem enfrentar. E uma surpresa espera a todos no final...

Contos de Rokugan (Parte 2,5 b): Trovões em Céu Claro


“O amanhecer nas terras do Leão é um espetáculo privado aos seus próprios samurais. O jubiloso e revigorante tom dourado rompendo inexoravelmente as densas trevas sempre encontra seus soldados ocupados em outras tarefas. Pois como bem escreveu kami Akodo-sama, ‘Enquanto você dorme, seu inimigo treina’.”

Assim escreveu sabiamente certo célebre cronista Doji, durante uma estadia nas terras do Clã Leão. Como soldados disciplinados da considerada a maior máquina de guerra do Império, é hábito para samurais do Leão acordarem cedo, e desde então cuidarem de seus afazeres diários. Em cidades mais militarizadas, é possível ouvir exercícios e kiais de Akodo e Matsu, em katas ou treinando movimentos de guerra ou duelos. Mesmo que fosse para tarefas relativamente triviais, os samurais do Leão já se punham fora da cama dispostos e afoitos pelo cumprimento de seu dever. Por mais que ele parecesse leviano. Como escrever uma carta, ou um relatório. Ao encontrar Kitsuki Horai na alcova da hospedaria, caligrafando várias páginas, Isawa Sageru imaginou que seu companheiro talvez tivesse algum parentesco neste Clã.

— Que as Fortunas estejam contigo, Horai-san. — Saudou Sageru, com uma leve reverência, ainda no beiral da porta corrediça. — O sol mal nasceu e já se pôs a escrever tanto?

— Que as Fortunas o acompanhem também, Sageru-san. — Respondeu Horai, desviando sua atenção das páginas apenas por breve momento, retribuindo o inclinar, tentando não parecer indelicado. — Na verdade, não consegui dormir esta noite. Me admira que você tenha. Se suas suspeitas estiverem corretas…

— Então lidaremos com ela com todo zelo, fervor e poder digno de magistrados Imperiais de que somos. E certamente que a força do Trono bastará diante de qualquer adversidade tola o suficiente para se opor à vontade do Imperador.
Horai não conseguiu deixar de sorrir. Realmente seria no mínimo indecoroso sequer mencionar esse comentário ali. A atenção de Sageru a esse tipo de detalhe sempre o impressionava. Contudo, Sageru continuou:

— Se dedicando à poesia de novo? Ou talvez um conto épico inspirado em suas viagens?

— Algo muito mais burocrático que isso, Sageru. Estou escrevendo meu relatório. Quero que ele seja enviado ainda esta manhã, e que nossas autoridades tomem ciência disso o mais cedo possível.

— Creio que não esteja pensando na situação como um todo, Horai. De novo.
O pincel de Horai repousou ao lado da folha.

— Como assim?

— Não querendo contestar seu senso de dever, mas alertar o alto escalão Imperial poderia piorar ainda mais a situação na região. — Sageru respirou demoradamente, preparando-se para explicar sua teoria. — Se nossas suspeitas se confirmarem, então as forças Imperiais abrirão uma caçada de sangue que perturbará ainda mais a região, o que pode se agravar no caso do Clã Unicórnio exigir uma retribuição no modo que lhe é peculiar, podendo inclusive gerar um conflito entre três forças. Não obstante, se isto for apenas um embuste, ou vir a ser, devo ressaltar, apenas mais uma suspeita falsa, então um relatório descrevendo com tamanha riqueza de detalhes uma ameaça que não existe realmente não fará bem à sua reputação, Kitsuki Horai.

— Sugere que não devo enviar meu relatório, Isawa Sageru?

— Sugiro que não o faça ainda. Contudo, é bom termos registros de nossas ações. Pode terminar de escrever. Se precisar de mim, estarei nos oratórios. — E assim, Isawa Sageru empurrou a porta dos aposentos de seu colega, e se dirigiu ao templo do vilarejo de Mitsu Ama no Mura.

* * *

Grande parte do sustento das pessoas de Mitsu Ama no Mura estava de alguma forma ligada ao Rio dos Três Lados. Quer fossem pescadores, construtores de barcos, tecelões de redes, ou tripulantes dos barcos, quase todos de alguma forma, estavam ligados ao rio. Assim, era quase natural que a presença de Isora, Fortuna Menor patrona das águas costeiras e fluviais fosse uma presença marcante na vida religiosa da vila. Seu templo era simples, calmo, rústico, e apesar do constante barulho do moinho de água anexado à estrutura do templo, ele próprio parecia contribuir à paz local, marcando periodicamente o tempo com a batida do pilão no receptáculo de madeira. Visitar os templos das cidades que conhecia era tanto um dever moral de um shugenja quanto uma aventura pessoal para Isawa Sageru. Ver toda essa diversidade e pluralidade da fé de seu povo, sem que jamais perdessem a unidade do culto às Fortunas e às doutrinas de Shinsei, era um espetáculo único, na sua opinião. Podia requerer o espaço de uma vida inteira nesta tarefa, e ainda assim, de forma alguma esta vida se perderia.

Isawa Sageru cumprimentou os monges que cuidavam do local, e se dirigiu pacificamente ao salão de meditações. Os poucos monges do pequeno templo ainda cuidavam de seus afazeres diários, varrendo o quintal, realizando as orações matutinas e ajudando os aldeões no moinho. Era uma estranha harmonia agitada a daquele local, contudo, no fechar das grossas portas da sala, Sageru não podia ouvir mais nada. Meditando de olhos fechados, ele podia entrar em contato com os kamis, os espíritos dos Cinco Elementos que compõem tudo que existe sobre a face do Mundo. De vez em quando, o impacto do moinho o fazia ter certeza de que ainda estava no Ningen-do. Foi então que sentiu uma leve presença na porta.

— Pode entrar, Niro-san. De maneira alguma serei descortês em impedir que um magistrado seja impedido em sua própria cidade.

A porta se abriu lentamente, com um Ikoma Niro espantado pela presciência do shugenja, mas também tentando não manifestá-la, como faria um samurai desacostumado ao próprio daisho.

— De igual modo não atrapalharia um shugenja em seu contato sagrado com os espíritos.

— Não me atrapalha de maneira alguma, Niro-san. Sinta-se à vontade para me fazer companhia. Sua presença em muito me honra.

Ikoma Niro entrou na sala, e empurrou a porta tentando fazer com que ela fizesse o mínimo de barulho de atrito de madeira possível. Ele deu alguns passos, e se sentou um pouco atrás do shugenja do Clã Fênix. Após alguns breves segundos de silêncio, Niro sussurrou:

— Tem certeza de que não o incomodo?

— Absoluta. — Respondeu Sageru. Num tom habitual de voz. Havia sinceridade e compressão na sua fala. — Contudo, imagino que não seja motivos religiosos que o tenham atraído ao templo tão cedo, certo?

— Isawa Sageru-sama é deveras observador e educado indo direto ao assunto.

— Apenas o conheço o suficiente para saber o quanto o senhor é adverso a rodeios. Se estou certo, Niro-san deseja saber se tivemos progresso nas investigações de ontem.

Ikoma Niro conteve um sorriso.

— Sim, se não for incômodo.

— Sim, Niro-san. Rastreamos algumas pistas que nos levam a acreditar que algo da alçada dos Magistrados de Jade acometeu os samurais do Unicórnio em suas terras. O senhor agiu muito bem em termos nos contatado. Esperar mais poderia ter sido muito grave.

— Há algo em que possa servir aos Servos Imperiais?

— Creio que no momento não, Niro-san. O que quer que tenha realmente ameaçado sua cidade, por motivos que me são ocultos, não está mais aqui. Parece-me que apenas estava de passagem e veio a encontrar com os Unicórnios. Uma infeliz coincidência. Conversei com Kitsuki Horai mais cedo. Ele também concordou em não superar sua autoridade no andamento do caso. Por enquanto, prefiro esperar e reunir mais informações a respeito. É uma situação muito mais delicada do que parece de início. E uma conclusão errada a esta altura seria desastroso.

— De certo. Se os honoráveis senhores precisarem de algo, meus yorikis têm instruções de considerar suas palavras prioritárias.

— O senhor é muito prestativo e gentil, Ikoma Niro-san. Incluirei isto em meu
relatório sobre o caso. Certamente o alto escalão Imperial ficará feliz em ouvir isto.

Ikoma Niro se permitiu um riso breve.

— Não há necessidade, jovem. Já não preciso mais dos altos favores das Cortes Imperiais. Foram bons os tempos que passei nela, mas estou satisfeito. Tive oportunidade de servir meu Clã em guerra e em tempos de paz. Agora só me resta encontrar uma morte que não envergonhe meus ancestrais. O que mais um samurai pode esperar?

— De fato, Niro-san. De fato. O que mais? — De repente, a batida do moinho se tornou mais freqüente. Um segundo depois, era como se vários moinhos cercassem todo o templo, batendo initerruptamente. Isawa Sageru abriu os olhos de súbito, enquanto Ikoma Niro se levantou numa batida de coração, olhos procurando o que os ouvidos não podiam entender. — Não é possível. O céu estava limpo quando cheguei. Nenhuma tempestade se formaria tão rápido.

Ikoma Niro bufou, rindo.

— Não é tempestade, meu jovem. — Uma lembrança acirrou os olhos de Ikoma Niro. — É a cavalaria do Clã Unicórnio.

5 comentários :

  1. Excelente mesmo... dá para imaginar perfeitamente cada cena e ter uma clara noção dos costumes Rokugani. Parabéns Hayashi!

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  2. "Enquanto você dorme seu inimigo treina". Oyama iria adorar essa frase. Está muito, muito bom, mesmo!

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  3. Nossa, e olha q essa frase é praticamente um chavão de L5R. Muita gente usa, mas pouca gente sabe q ela é oriunda do Leão.

    E também só tenho q agradecer a todos pelo apoio manifesto e pelas visitas.

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  4. Talvez eu faça um apanhado de "frases legais de L5R". O q é praticamente todo o Tao de Shinsei, todo o Pequenas Verdades e alguns trechos dA Espada e Nitten. O Liderança não tão destacável em frases assim, já q o texto é mais dissertativo e aglomerado.

    Isso, claro, sem contar as falas legais dos NPCs memoráveis que passaram por Rokugan, como Hida Kisada, em sua armadura do guerreiro negro: "Seu conhecimento não pode salvá-lo. O poder de sua magia não pode salvá-lo. NADA pode salvá-lo!". Ah, sim. Ele fala isso pq a armadura o deixa imune a magia. XD

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