20 de setembro de 2010

Histórias de Freedom - "O Réquiem"


Bom, pessoal. Aqui está um pequeno texto que escrevi, na época, era para ser um roteiro de uma HQ ambientada no cenário original do RPG Mutantes & Malfeitores, Freedom City. Para quem não sabe, Freedom City na verdade é praticamente a obra da vida do Steve Kenson, um dos maiores idealizadores do incrível sistema e RPG como um todo que é M&M, reunindo várias releituras interessantes de clássicos dos super-quadrinhos e muita coisa nova também. Freedom City é uma metrópole norte-americana tida como o epicentro mundial de super-heróis e super-vilões.

Contudo, o freedomverso não se reduz à cidade. Há várias culturas alienígenas interessantes, facções galáticas, mundos paralelos, realidades alternativas e épocas passadas (e futuras) muito interessantes também. Bom, como a história em quadrinhos não foi pra frente, espero que gostem de ler "supers". A idéia não é totalmente nova (a Marvel já lançou alguns livros de seus heróis), mas estou longe de me considerar um especialista talentoso no assunto.

Só agora percebi que apaguei os "cartazes" que havia projetado para fazer propaganda dessa história. Mesmo assim, vou tentar mantê-los o mais ilutrados possível.

Com vocês então, Freedom City, no que pode vir a ser o fim de um Universo.

Réquiem de Freedom - Capítulo 1: O Sonho do Guardião

“Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, o que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso.” (Ap. 1; 8) 

“Você já deve ter passado algum momento em sua vida se perguntando porque certas coisas dão errado. Por que elas têm que dar errado, pura e simplesmente, não? O que poderia ser feito para corrigir os erros de um mundo tão injusto e imperfeito quando poderia ser tudo tão belo e fabuloso? Eu dediquei toda a minha quase eterna existência ao profundo estudo científico dessas questões. Analisei a fundo a entropia, estudei novas rotas históricas que chegam a causar o que sua sociedade conhece superficialmente como ‘efeito borboleta’, dissequei todo o conhecimento de mundos inteiros para enfim poder encontrar uma solução definitiva para todos os problemas.

Quando finalmente apresentei uma solução aos meus semelhantes, eles me chamaram de louco. Ridicularizaram o trabalho de toda uma vida e me condenaram de forma que me lembrasse permanentemente do que eles queriam me convencer ser o meu fracasso.

Ao invés desta condenação aplacar o rancor em meu coração, isso apenas me convenceu de que eu estava no caminho certo. Era evidente a inveja e o medo daqueles tolos. Eles se convenceram em seus profundos temores que a implementação de meus estudos levaria à autodestruição de toda a Criação. Que o que eu tentava curar era um dos pilares fundamentais do Cosmo. Tolice. Tudo que eu quero é levar ordem a este caos. É levar a cálida e gloriosa luz da razão a seres que ainda vivem nas trevas. Tudo que eu quero é melhorar o mundo onde vivo. Mesmo que para isso eu tenha que matá-lo.

Meus carrascos me consideraram tão profano por essas idéias que me condenaram eternamente numa dimensão completamente desprovida de matéria, energia ou qualquer outra coisa senão o vazio completo. Era o Limbo. Lá nutri minha sede de vingança por eras incontáveis. Sabia que o intelecto limitado de minha raça logo a extinguiria. Fiz de minha prisão meu lar, uma extensão de meu próprio ser. Então concluí que não havia outra saída senão dar continuidade ao meu plano. Me tornei um símbolo do fim do tempo, do espaço e da existência. Assim como o Limbo, algo que já foi, mas que será algo melhor. Os vários mundos aprenderam da pior maneira a temer o nome de Ômega. Mas simplesmente não me compreenderam. No Limbo, eu encontrei paz. Uma paz tão doce e luminosa que não me contive em meus mais puros desígnios de compartilhá-la com todos! Não pude me conter quando fui escolhido como arauto da religião do Terminus, e espalhar sua palavra e converter universos inteiros à sua magnífica contemplação do breu absoluto.

Um a um, universos inteiros foram consumidos pelo Terminus. Se para fazer do Multiverso um lugar perfeito seria necessária a reconstrução total dele mesmo, a morte de incontáveis trilhões de seres falhos seria um preço pequeno a pagar.

Mas você, em seu insípido moralismo concebido por uma mente primata e limitada me acha cruel. Porém, ainda vi potencial em cada um desses seres, e ofereci a todos eles a oportunidade de servirem como meus arautos, reconstruídos à perfeita vontade daquele que conhece o tudo e o nada. Os que se recusavam seguiam destinos semelhantes, mas bem menos agradáveis.

O plano transcorria perfeitamente, até que encontrei um mundo como nenhum outro. Seu nome era Terra.

A incrível capacidade de superar adversidades fez da espécie dominante um desafio notório. Apesar de tecnologicamente muito inferiores às minhas forças, eles se opuseram com ardor à minha investida. Seria questão de tempo até que a retrógrada raça humana perdesse completamente esta guerra. Pessoalmente, aniquilei vários de seus maiores defensores, um, porém, se mostrava intensamente persistente em se opor a mim. Eles o chamavam de ‘Centurião’.



Ele era um sobrevivente de algum outro mundo absorvido pelo Limbo. O ignorante me via como o destruidor de sua Terra natal e sua família. Mal sabe ele o quanto melhorei os inventos de transporte dimensional desenvolvidos por seu pai. A questão é que o bruto fendeu meu traje de contensão, e isso criou uma explosão que o matou. Quanto a mim, não podia suportar as energias caóticas daquele mundo com os danos causados pelo Centurião. Recolhi-me ao Limbo, e passei a observar este mundo com um novo interesse. Em breve, chegaria sua hora final. Seu réquiem já começou a tocar.”



São Francisco, 03:00 AM
Era difícil respirar. Parecia que havia ferro em seus pulmões, as mãos estavam frias, assim como o suór escorrendo do peito nu. Sua boca respirava como se estivesse sendo afogado. O olhar arregalado logo reconheceu na escuridão a familiaridade de seu lar, seu quarto. Ao seu lado, Kyle Vance encontrou seu namorado, ainda anestesiado pelo sono.

“Foi apenas um sonho, Kyle.”

“Ótimo, então volte a dormir.”, disse o homem, com real preocupação e carinho.

Kyle se levanta, caminha até um cabideiro no canto do quarto, e põe um manto azul sobre o corpo semi-nu. Como num passe de mágica, garbosos trajes azuis o cobrem, e assim que uma fina máscara lhe oculta os olhos, ele responde: “O problema é que, para quem está neste ramo, sonhos ruins nunca são algo a serem levados levianamente.”



Freedom City, poucos minutos depois
Em Freedom City, muitas coisas "estranhas" acontecem. Seja a Liga Freedom combatendo algum super-vilão, algum super-adolescente descobindo as extensões nem sempre tão inofensivas de seus poderes, ou algum... Bom, super-engarrafamento atrapalhando a vida de milhares de pessoas e elevando o stress coletivo a níveis que muitso super-computadores teriam dificuldades de exatificar. Mesmo assim, em muitos locais, era possível fugir de "super-eventos" dessa magnitude. E era justamente para a porta comumente banal deste apartamento mediano, num bairro mediano, para onde Kyle Vance, conhecido na comunidade mística mundial como Guardião se teleportou. Ele estava em busca de conhecimento que poucos teriam, e se suas suspeitas estivessem corretas, o que ele esperava para não ser o caso, ele precisaria de ajuda do alto escalão. E não havia autoridade maior no assunto do que o homem que ali morava.

Com calma, Kyle bateu na porta de madeira. Um homem árabe, de porte largo e face tranquila, abriu a porta. Por trás do fino bigode negro, a pele morena aperta os olhos do gentil mordomo.

“Sallah, o Mestre está disponível? É muito importante.”

“Senhor Vance, tenha a bondade de entrar. Vou ver se Mestre Eldrich está disponível. Por favor, acomode-se.”

O banal apartamento de Adrian Eldrich na verdade oculta uma gigantesca mansão de fino gosto inglês colonial. Luxos sutis saudavam os visitantes por todo o espaçoso salão. Algumas obras de arte, artefatos arqueológicos, quadros famosos e outras peças que, provavelmente, vinham de mundos que Eldrich visitou. Troféus, lembranças, presentes, aquisições... Era quase impossível discerni-los. Porém, dada a organização e garboso charme do Mago Mestre da Terra, era certo de que cada coisa ali disposta nos pedestrais de gesso sobre o piso xadrez tinha um propósito e uma história por trás.

Sallah leva Kyle até uma sala, onde metodicamente pede para que o homem encapuzado se sente. Parecia ser uma das dezenas de bibliotecas mantidas pelo Mago Mestre. Para variar, o tapete verde concedia um tom classudo e elegante aos móveis coloniais de madeira escura abarrotados de livros, mapas, globos e objetos de estudo arcano e místico. Depois de ser servido por um conjunto de chá animado pela invejável magia de Eldrich que qualquer um que não fizesse idéia de quem realmente é tal homem, estranharia, Kyle conseguiu relaxar um pouco. Ele ainda soprava sua xícara, quando uma projeção translúcida e de tom dourado de Adrian Eldrich apareceu em sua frente.
 
“Guardião, a que devo a honra?”

Kyle se pôs de pé, ao que Adrian acenou como sendo desnecessário. “Perdão, Eldrich. Não queria perturbar o trabalho constante do Mago Mestre, mas algo me perturba. Se quiser, posso voltar em hora mais oportuna.”

“Não há nada de muito especial que requeira minha atenção no momento, Kyle. Apenas estou lutando contra uma seita de Kar’Kadras no Vaticano. Coisa de rotina, nem sequer me impede de manter esta comunicação.”

Kyle pareceu perturbado. “Ahn. Bom, certamente que o senhor já deve ter ouvido falar sobre o Réquiem do Cosmo…”

A projeção de Eldrich aparenta fazer um esforço, e ocorre um barulho distante de explosão. Pouco depois, o próprio Adrian Eldrich em pessoa aparece após um facho de luz se extinguir na sala. “Deveria ter dito desde cedo que era sério, rapaz. Por favor, venha comigo.”

Caminhando pela mansão, os dois logo sobem uma escada espiral, e enquanto caminham, Eldrich comenta:

“Pois então, o que você sabe a respeito?”

“Muito pouco, na verdade. Tudo que sei é que diz respeito a alguma espécie de fim do mundo, mas não vejo razões para levá-lo mais a sério do que o ragnarök ou o Apocalipse cristão.”

“Neste ramo, ceticismo é um erro grave, rapaz. E pode custar sua vida. Existem várias teorias sobre o fim do mundo, e o Réquiem é apenas mais uma delas, como você bem disse.”

Os dois entram numa biblioteca, e com um sinal de mãos de Eldrich um dos grimórios vai até eles e se abre.

“O Réquiem nada mais é do que uma série de eventos profetizados em textos apócrifos de Nostradamus que anunciam o fim do mundo. Ele diz resumidamente que os que tecelões seriam os primeiros a ouvir suas primeiras notas. Apesar de ser algo nunca ouvido antes, eles saberiam que se trata do anúncio do fim dos dias. Depois, viriam guerras e rumores de guerras. A liberdade morre. A glória de Deus aparece nos céus de todo o mundo, e então, as estrelas se apagam.”



“Mas, Eldrich, isso tudo é apenas uma suposição. O que te faz acreditar que o Réquiem seja real?”

“Por que eu já o ouvi. Há 16 anos. Mas isso não vem ao caso. Por que você se interessou pelo Réquiem em especial?”

“Por que eu também o ouvi. Há aproximadamente uma hora atrás.”

Eldrich recuou e tomou uma assustadoramente rara face de boçal espanto. Após custosos segundos, ele retomou:

“Você deve estar enganado, rapaz. Da última vez que este prenúncio foi confirmado, Ômega assassinou Centurião e quase destruiu o planeta inteiro.”

“E o que o impede de voltar agora?”

“Ômega está morto. Centurião se sacrificou por isso. Certamente é você quem se engana.”

“Mestre Eldrich, com todo respeito, mas e se eu não estiver? Não valeria a pena apenas checar a hipótese?”

Sallah bate à porta da biblioteca: “Perdão, mestres, mas a Rainha de Taraskar exige urgentemente falar com o Mago Mestre.”

Eldrich pondera por algum tempo e então suspira. “Tudo bem, rapaz. Comunique Dédalo. É bom que a Liga Freedom esteja de sobreaviso. Vou atrás de outras confirmações da sua teoria depois que solucionar o problema de Vossa Majestade.”

Eldrich se teleporta. Kyle, quase atônito, se vira para Sallah. “Com licença, Sallah. Por acaso Mestre Eldrich tem o número de telefone da Liga Freedom?”

Um comentário :

  1. Por Asgard! Mais uma bela saga sobre o Ragnarok (ou apocalipse, como preferirem...)

    De qualquer forma, ótimo texto. Parabéns pelo trabalho!

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