7 de setembro de 2010

RPG: Uma Arte Sequencial?

Não, quem vê capa não vê qualidade de
animação.
Bom, para começar, tive a idéia de escrever esse post hoje de madrugada para ser preciso. Após assistir o filme animado de Dragonlance - Os Dragões do Crepúsculo do Outono (para quem não ficou sabendo, passou no Telecine às 1:45 da manhã). Muita gente já havia criticado o filme, e mesmo eu não sendo um conhecedor não tão ávido quanto gostaria de Krinn, faço minhas as palavras de um amigo meu a respeito da adaptação: "Dragonlance não merecia isso". Beleza, mas antes que comece a chuva de pedras, meteoros e outros dejetos críticos ao meu posicionamento, vou fazer um momento de advogado do Diabo aqui:

Antes de mais nada, vale a pena ressaltar que a Wizards of the Coast (aliás, ainda é estranho ver esse nome nos créditos de um filme) nunca foi de investir muito em mídias externas além de seus próprios produtos. Sim, tivemos o épico Caverna do Dragão, mas me refiro à quantidade de capital investida no projeto. Caverna foi uma série animada feita praticamente como um milagre em parceria com a Marvel, empresa que na época se mostrava ascendente, mas nem de longe tão poderosa quanto o gigante que é hoje. Também devemos lembrar dos doloridos dois longas que D&D já gerou. Sim, o segundo é melhor que o primeiro, mas não por mérito deste, é porque o primeiro filme é tão agradável de se assistir como uma lobotomia sem anestesia. Dito isto, vamos a Dragonlance.



Goldmoon era "desenhada" assim...
... mas ficou desenhada assim. Pq raios a roupa resolveu
ficar branca?
A primeira dificuldade que se enfrenta nesse tipo de adaptação, é o ritmo narrativo. Drangolance é uma originalmente uma série de volumes literários bastante extensa, e pela própria plataforma de romance escrito, permite-se um tempo maior numa cena, maior atenção a diálogos, movimentos sutis, etc., o que geraria um ritmo "mais lento" de narrativa, que permite maior descrição. Num filme, seja ele animado ou live-action, espera-se VER ação. Movimento, vivacidade, narrativa andando. Duvido muito que o filme Joana d'Arc original, feito em preto e branco, fosse um sucesso de crítica ou público se fosse feito hoje, apenas pela exaustão visual causada pelas LOOONGAS tomadas de Joana na prisão, entediante e maçante de se ver. Sim, há um propósito narrativo pra tamanha morbidez na obra, a questão é que o público pede ação, os desenhistas cobram por hora, e o orçamento é curto. Resultado: o editor senta a tesoura em tudo aquilo que não é estritamente necessário para o entendimento da narrativa. Isso irremediavelmente causa uma narrativa rasa, sem profundidade ou atenção aos tão cativantes detalhes menores dos personagens da trama. Isso causa um resultado final inferior ao desejado? Para os fãs, sim. Para os acionistas que já estão lucrando com os produtos "canônicos" de D&D, nem tanto. Aliás, do ponto de vista deles, eles estão até felizes, já que deixaram de perder alguns milhões investindo num produto que provavelmente não tinha como dar certo mesmo.

Bom, falando em termos visuais, o desenho é até bem feito. Não entendo por que raios os draconianos e os dragões são feitos em CG (xexelenta, mas CG) enquanto TODO o resto é desenhado e animado à mão. Precisa-se de escamas para merecer ser feito no computador? E por que eles também me parecem um "Ctrl+C, Ctrl+V" um do outro? Parece que na verdade só há um draconiano, e o resto são cópias xerox dele. Na cena em que o exército draconiano se prepara pra batalha, então, isso fica ainda mais evidente, com vários draconatos "xerocados" batendo suas espadas no escudo. Enfim, o traço desenhado é até legalzinho, eu particularmente gostei do preview em que apareciam o Sturm Brightblade e o Tanis, ainda sem cores. Na época, fiquei até impressionado com os detalhes da armadura dele. Mas, quanto à animação, eu tive a sincera impressão de que estava com sono demais. Os personagens pareciam se mover a 2 quadros por segundo, com movimentos quebrados e desempenho visual bem próximo das séries animadas mais "pobrinhas" produzidas na década de 90. Fato, eu não esperava que se igualassem à qualidade das ilutrações originais dos cards e dos livros de Dragonlance, mas aquilo lá, realmente, foi imerecido para Dragonlance. Novamente, motivos financeiros levaram a esse resultado.

A cena era assim...
... Mas ficou assim.
Falando em movimentos quebrados, a animação em si também possui um ritmo narrativo MUITO mais acelerado. Isso é bastante prejudicial. As piadas do Tasslehoff perdem o impacto, os gestos dos personagens de modo geral ficam ou impessoais ou caricatos e as lutas são meras repetições de movimentos dos heróis enquanto goblins continuam a chover initerruptamente sobre eles. Em alguns momentos, aparece um rastro metálico do movimento das armas. Totalmente surreal e desnecessário. Mas eu gostei! As lutas também foram prejudicadas, provavelmente, pela adorável censura visual americana, que praticamente impede que obras infantis (a animação no Ocidente é quase sinônimo disso) exibam violência, sangue ou sofrimento de qualquer espécie. Sinceramente, a execução de uma cena de batalha medieval sem qualquer um dos três beira um milagre. Mas isso não é problema dos pobres editores que simplesmente recebem ordens de cortar tudo aquilo que a comissão manda eles cortarem em nome da moral e dos bons costumes, mesmo que em detrimento do prazer artístico dos fãs da obra, a fim de que a juventude de hoje se torne adultos menos psicopatas amanhã. (Não concordo, mas vai ser isso que qualquer profissional digno de seu salário do Ministério da Educação também dirá)

Assisti o filme dublado, o que me impediu de conferir o por sinal caríssimo elenco de dublagem original. Contudo, adorei ter o Hastlin dublado pelo mesmo dublador do Hyoga, de Cavaleiros do Zodíaco. Tava vendo a hora em que veria o mago dos mantos vermelhos soltar um "Pó de Diamante!". A saber, o elenco contava com Lucy Lawless, a atriz que fazia a Xena (a princesa amazona com um grito de guerra medonho e que tacava um disco de metal que sempre ricocheteava em pelo menos cinco lugares diferentes antes de atingir o alvo pretendido. Tenho pra mim, uma ancestral do Capitão América. Seriado irmão ao do Hércules, que se bobear, ainda passam na Record) e o Kiefer Sutherland.

Porém, por pior que o filme tenha sido, é bem provável que sua produção se esconda atrás da mais honrada das causas. Reavivar obras esquecidas de um modo que a geração "Wikipedia" consiga apreciá-la e mantê-la viva. Talvez até mesmo procurar mais a respeito e conhecer Dragonlance em toda a sua profundidade.

Enfim, filmes de RPG serem desagradáveis não são novidade. Adaptações de livros para o cinema decepcionando fãs também não. Tudo bem, no caso de Dragonlance, o vil metal parece ter sido o causador de 90% dos problemas. O RPG é praticamente uma modalidade narrativa irmã do teatro (com conceitos como cena, personagem e narração até que bastante similares), e daí, ao cinema, mas muito arraigada à literatura. Mas o processo inverso também acontece. Muitos RPGs já foram baseados em filmes, e não fosse a franquia milhonária de Senhor dos Anéis, o CODA estaria num esquecimento muito maior do que hoje. Tenho pra mim, o próprio D&D também estaria muito mais desguarnecido no Brasil também.

No fim das contas, toda linguagem narrativa está bem próxima uma da outra. Seja um filme, uma aventura de RPG ou um livro, todos eles se dedicam a contar/construir uma história. Alguns possuem atributos técnicos diferentes uns dos outros, mas dificilmente um seria pior ou melhor que o outro. Sim, Dragonlance continua sendo muito melhor nos livros, mas ninguém (suponho) denigre uma obra dessas a esse ponto por mera diversão. Foi uma boa intenção sem fundos financeiros que a sustentassem, infelizmente.

Depois de ter escrito esse tijolo de texto, o que realmente quero dizer é que, se todas essas linguagens e adaptações quase sempre são desagradáveis ou no mínimo infiéis à fonte original, porque não equiparar o RPG por si só como uma arte sequencial narrativa tão digna quanto as outras? Tá, isso gerará incômodos logísticos do tipo, "qual é o objeto artístico que o RPG gera?". Seria o livro, as aventuras com ele jogadas? Nesse caso, como elas seriam apresentadas ao público? Reports? Aventuras prontas? Gravações? Enfim, a pergunta é até simples de ser montada, mas chegar a uma resposta conclusiva é que é o real desafio.

A arte contemporânea tem tentado responder essas questões também. A arte já saiu do museu, mas é difícil definir para onde ela foi. Estaria a arte nas pixações dos muros? A música gravada por selos milhonários é mais ou menos arte do que a vendida em CDs piratas nos camelôs? O objeto porta a arte dentro dele, de tal modo que se o mictório de Duchamp for explodido, seu propósito deixaria de existir? As obras expostas no Louvre são menos arte porque são cópias digitalmente fiéis dos quadros originais? Enfim... Ninguém jamais disse que seria fácil...

10 comentários :

  1. Cara, muito profundo este post... mas infelizmente acho que a crítica ou mesmo a academia não vão considerar o RPG como uma forma de arte, ainda que conseguíssemos definir qual o objeto artístico do RPG. Mas a reflexão é válida.

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  2. Bom, a tendência agora é a arte trabalhar com "objetos" artísticos realmente bem distante da noção física de objeto mesmo. Artes performáticas, que ocorrem puramente no deslocamento de tempo e espaço e de maneira alguma tangíveis ou delimitáveis. O próprio La Fontaine é mais ou menos isso. A obra em si não é o mictório físico, mas está mais para ser o espectador tentando desvendar o objeto. Q tb não é simplesmente um mictório. É um mictório de cabeça para baixo. XD

    De fato, a tendência da crítica agora é apropriar-se de objetos anteriormente não-artísticos e os transformarem em artísticos. Fato, isso não é uma proposta estética, é apenas uma tendência que tem se mostrado lucrativa no momento. Mais uma vez, escravos do vil metal qto a isso.

    E talvez exatamente pelo RPG não ser algo tão rentável assim, não é passível de ser considerado pela crítica e honrados doutores intere$$ados da área como arte. Mas, pelo menos pra mim, o argumento me soa bastante razoável.

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  3. uhsuhsuhsuhsuhushushuhsuhs

    eu tenho esse filem em casa, num dvd.

    mas o post foi muito legal gostei da analize qur foi feita em relação ao rpg,mas infelizmente acho que naum viverei o suficiente para ver o rpg se tornar um forma de arte (eu pelo menos a considero uma)

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  4. Apesar de também considerar o RPG uma forma de arte, e perceber o quanto ele dialoga com os campos do teatro, da literatura e do cinema, sou descrédula quanto ao fato de ele ser considerado dessa forma algum dia por alguém mais do que aqueles que o apreciam e o jogam. Ainda mais pelo preconceito que o RPG muitas vezes sofre... acho que a exploração dele pela mídia como jogo satanista mostrou-se mais rentável, hehehe.

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  5. Realmente...

    Sou obrigado a concordar com todos nestes Salões orientais; acredito que será difícil ver o RPG como uma verdadeira arte, exceto por aqueles que já conhecem o jogo e compreendem que ele é mais do meras que rolagens de dados.

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  6. Pode parecer teoria da conspiração da minha parte, mas, novamente, se o RPG não é enaltecido como arte a nível do mictório do Duchamp, é por questões financeiras. Simplesmente não há interesse econômico de se investir num negócio que já não gera tantos milhões assim. A economia artística vai bem do jeito que está, e não há nenhuma necessidade desatada de se buscar algo novo. Então os críticos vão levando a coisa do jeito que está.

    Fato, porém, discursar e listar motivos pra validar o RPG como arte é tarefa q de tão fácil, acaba se complicando. São vários motivos, vários meios e conclusões diferentes a q se pode chegar q se torna muito difícil reunir isso tudo num volume menor que o Alcorão.

    Por outro lado, já vi várias vezes alguns professores de minha faculdade correlacionarem algum aspecto do RPG a algum processo poiético/artístico. Ainda não é uma validação total do mesmo como arte, mas já é qse. E mesmo q fosse esse o caso, ele seria uma "arte (MUITO) menor" diante das outras. Mas, não custa ressaltar, argumentos que o validem (principalmente depois do conceito de "não-obra" escancarar as porteiras teóricas do q é e o q não é arte) existam de sobra.

    Mesmo assim, não há pq validá-lo. Só quis registrar q, principalmente contemporaneamente, se vc quiser dizer q seu RPG é arte, vc pode! XD

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  7. Falando sobre Dragonlance, o filme me levantou várias dúvidas.

    Ilusão minha ou a Takhisis é a cara da Tyamat?
    O nome do Kender do grupo se pronuncia "Tas-le-rrof" ou "Tas-sel-rrof"? Pq no filme pronuncia-se do segundo jeito. E quanto à coitada da Mishakal? O povo lá fala "Mi-shá-kal". Coisa q até me assustou. Sempre falei "Mi-sha-kál".

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  8. Dizem as más línguas que Takhisis é sim a personificação de Tiamat em Krynn.

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  9. Comentários muito pertinentes. Também achei que a animação deixou a desejar.

    Mas, Raistlin foi dublado pelo dublador do Ikky, não do Hiyoga...

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  10. Hm... De fato. Erro meu. Mesmo assim, gosto muito desses 2 dubladores.

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