3 de dezembro de 2010

Corte de Inverno: Existe Crise no RPG brasileiro?

 
Estou inaugurando uma seção nova no blog. Tentando deixar um pouco os ares rokuganis mas não indo muito longe, resolvi abrir uma seção pra discutir e instaurar polêmicas sobre assuntos ainda tangentes aos nosos interessses comuns (creio eu). Assim, coincidentemente consonantes à época de inverno no hemisfério norte do globo, e às promoções de "Winter Court" da AEG, crio hoje então a primeira pauta da Corte de Inverno da Hayashi no Ie ano 2010. E para começar essa época de fim de ano, nada melhor que uma retrospectiva para discutirmos tudo de bom e de ruim que rolou (seja nos d10, nos d20 ou em qualquer outro dado) com a gente nesse ano.



Para começar a longa jornada argumentativa (sim, este será um post daqueles. Preparem-se) até onde quero chegar, vamos começar com a retrospectiva RPGística 2010. Sim, tivemos D&D 4ª edição chegando às Terras de Vera Cruz, para felicidade ou infelicidade de muitos por aqui. Fato, a Devir surpreendeu mostrando um trabalho editorial muito superior ao que fez nas épocas da 3ª edição. Quase sem erros ou pataquadas nas traduções e com termos que raramente causaram desavenças ferrenhas (fora os draconatos, que já vinham há algum tempo e acabaram se mantendo). Também tivemos louváveis lançamentos pela Jambô, seja o Tormentão ou os suplementos de M&M, entre eles os excelentes Livro da Magia e o Agentes da Liberdade. Enquanto isso, a Devir se preocupava também com o novo (caro e brilhoso) Mago, provando que o Novo Mundo das Trevas ainda não morreu por aqui. A Deve-vir (para quem não sabe, apelido que os lojistas brasileiros colocaram na Devir graças ao costume que ela tem de extraviar ou atrasar encomendas) também lançou, sobre uma incrível campanha publicitária, mobilizando vários blogs e colocando todo RPGista ligado à Internet num clima de conspiração inédito, o Gurps 4th.

Acho que a grande surpresa de 2010 veio realmente da RetroPunk. Ninguém esperava uma editora tão pequena nos brindar com o excelente e relegado Rastro de Ctchulhu. Um título que sinceramente, não parece fazer o tipo do mercado nacional, mas que, segundo a própria editora, tem se saído melhor que o esperado. Pois é. Nem só de guerreiros armadurados até os tímpanos e magos de chapéu pontudo vive o Brasil! Agora também temos investigadores durões caçando (ou seria sendo caçados por?) coisas tentaculosas e sinistras por aí.

Não sou um especialista no assunto, mas imagino que 2010 tenha sido o ano em que os programas RRPG Firecast e o Taulukko mais cresceram. Ambos estão ganhando novas ferramentas excelentes, e cada vez tornando o RPG online algo mais viável e atraente.

Até falaria mais sobre as louváveis iniciativas da blogosfera RPGística, como os inúmeros e excelentes podcasts que temos à nossa disposição, equipes de tradutores e muito material bom sendo disponibilizado gratuitamente para quem quiser aproveitar das idéias de autores muito competentes ao que se propõem (sim, Odin, você é um deles). E temos fechado um ano muito promissor para 2011, com várias coisas interessantes saindo para L5R lá fora (Great Clans!!!!), Vikings saindo pela Conclave, Changeling: Os Perdidos pela Devir e tantos outros previews de dar água na boca.

Mas o ponto que gostaria de discutir é: Realmente, nós estamos vivendo tempos muito interessantes (confucionistas, deliciem-se). As editoras têm jogado pesado e a RetroPunk entrou a sério na disputa pra esquentar de vez o panorama. Contudo, eu pelo menos não tenho visto mudanças drásticas entre os RPGistas. Grande parte de nós ainda somos saudosistas de D&D 3.X, de Vampiro: a Máscara e outras velharias. Não que eu ache isso ruim ou desmerecedor. Mas uma das questões é: Essa renovação toda tem feito alguma diferença? Eu sinceramente nem vejo M&M ser jogado por aqui em Juiz de Fora, ou até mesmo com mensurável freqüência no Firecast. D&D 4, por outro lado, parece estar ganhando mais terreno, mas não se compara ao d20 antigo em todas as suas vertentes.

Fato, tudo isso demonstra que o fantasma da "crise editorial" se não passou, está 99% vencido. Disseram que o mercado não se renovaria, e se isso ainda não aconteceu, pelo menos parece que se tornará uma verdade absoluta em breve. Tivemos duas bombas atômicas combinadas no final dos anos 90 que foram a crise econômica (que pode não parecer, mas saculejou legal as editoras americanas) e a febre WoW, que, de certa forma, "matou o RPG de mesa". Porém, a Wizards meio que fez do antigo inimigo seu aliado com toda a plataforma de seu novo D&D, usando linguagens análogas às dos MMO, e investindo pesado em programas de computador e plataformas online auxiliares. Tudo isso, ainda por cima, dando um clima, de início, mais old school, com ilustrações com mais high light e voltando ao clima de "aventureiros sujos sarrando em masmorras escuras".

Lê-se: "MMORPG - Muitos Homens Online Interpretando
como se fossem Garotas"
Outras saídas para vencer os MMO surgiram depois. A AEG parou de investir na tragédia anunciada que era o Burning Sands e lançou vários jogos menores de tabuleiro, e apostou apenas no seu carro chefe, mudando o design das cartas de L5R e lançando aquele livro de design bonito pra 4ª edição do RPG.

Mesmo supondo que "WoW matou o RPG de mesa" como afirmação verdadeira, acho que já vi esse filme antes, em outro lugar. Marcel Duchamp, considerado hoje uma das maiores influências pra arte contemporânea, segundo ele mesmo, havia desistido de pintar. A pintura de sua época se dedicava à abstração, e ele dizia que esta era uma fórmula que se esgotaria facilmente. Ele então resolve tirar a pintura de dentro das telas, e muda quase que completamente a noção do que se conhecia anteriormente como "objeto artístico" com seus ready-mades (BEEEEEM resumidamente, objetos comuns e banais, que NUNCA foram artísticos, mas que quando colocados como tais, passam a ser artísticos. Pura e simplesmente porque o artista disse que são, através do que ele chama de "gesto artístico criador"). Ou seja, mesmo depois de Duchamp, Heinrardt e sei lá mais quantos caras mataram a pintura e a arte, ainda continuamos pintando, e produzindo arte. Duchamp não matou a pintura no sentido dela nunca mais existir ou ser humanamente possível. O que ele fez foi matar a pintura como era conhecida e transformá-la em algo novo, ricamente explorada pelos que o seguiram posteriormente.

Eu confesso que achava o mercado de RPG bastante inerte até WoW e cia. chegarem e instaurarem uma crise. Era necessário lidar com perguntas doloridas do RPG de mesa (como "Para que gastar tempo, esforço e paciência reunindo grupo, montar ficha, explicar sistema, ler o livro, se a placa 3D cria imagens muito melhores que a minha imaginação?", creio ser a principal delas). Assim, acho que "WoW NÃO matou o RPG de mesa" simplesmente. Ele matou o RPG de mesa como o conhecíamos, e o mercado cresceu bastante nessa crise por aqui e lá fora também (o que num mundo ligado à Internet faz pouca diferença).

"BUUUU!! A crise editorial ainda pode te pegar!"
Por outro lado, me preocupo com a nova geração. Não que os produtos atuais sejam inferiores aos de outras épocas. Se não me engano, quando lançaram a 3ª edição de D&D, os defensores xiitas de AD&D a acusaram bastante de ser um videogame de papel. De modo ironicamente muito semelhante ao que é feito hoje com a 4ª edição. Mas por ver (ou melhor, não ver) mesas de RPG ocorrendo com a mesma freqüência que outras épocas, temo que o RPG de mesa "em mesa" esteja desaparecendo, dando lugar aos Play by MSN, fórum, mail, orkut e o escambau. E vocês, acham que essa tendência pode vir a se confirmar?

Por aqui, o burburinho tem ficado por conta da Conclave Editora. Que não teve po$$ibilidade de organizar o tradicional evento misto de quadrinhos, RPG, anime e videogame daqui, o UAI!Play em 2010 e 2009, mas que promoverá, ainda em dezembro, o primeiro CardCon. Um evento total e exclusivamente dedicado a card games. Será esse um fantasma da crise dando um "oi"?

4 comentários :

  1. Poxa vida, é muita polêmica para um post só, rsrsrsrs.

    Acho que a crise é o que move o mundo. Sem crise, sem oposição, a coisa não anda e fica estagnada. E creio que a crise sempre trás mudanças em seu encalço.

    No fim das contas, o RPG vai continuar sendo jogado em mesas de madeira, mesas online, em fóruns e, quem sabe um dia, em celulares ou algo do tipo. O importante é que continue crescendo e expandindo o mercado nacional e internacional.

    Em questão de gosto pessoal, eu não me adaptei às edições mais recentes de D&D. Não me dei bem com a 3.x e nem com a 4, e por isso adotei o Old Dragon, que me lembra do AD&D.

    Mas ainda assim é, ao meu ver, necessário experimentar coisas novas, tanto que comprei o Rastro de Cthulhu e estou juntando as moedas para o GURPS 4. Afinal, se eu que sou RPGista não comprar esses livros, quem vai comprar?

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  2. Nossa,post polémico mesmo. Não poderia deixar de opinar.

    Lendo ultimamente alguns quadrinhos do Will Eisner eu pude compreender um pouco dessa questão. Nos anos 30 quando ele começou a trabalhar com os quadrinhos mesmo, era uma época difícil onde enfrentavam a crise financeira de 1929 e ainda era uma forma de arte muito mal visada. Na própria obra dele O Sonhador mostra isso, e hoje ele dá nome a uma espécie de "Oscar", os Eisners. Que são uma das maiores honrarias que dão pra quem destaca nessa arte.

    O RPG não está muito distante, a diferença é que muita gente esqueçe desse lado artístico do rpg e vê só como jogo. Uma frase dum dos criadores do D&D que não lembro o nome é que dizia que criamos regras e sistemas esqueçendo que nem precisavamos deles.

    Acho que se caso uma crise mesmo vier, a culpa não seria das editoras que deixaram de criar bons materiais. Mas que deixaram de ligar esse hobbie nosso a esse lado sonhador.

    E também não acredito muito em jogos eletrônicos derrotando o RPG, tanto que começei a narrar e jogar depois de um processo de largar o vício do Wow. Sinceramente o RPG me fez melhor, agora tenho mais vontade de escrever em vez de perder horas em frente o PC. Vale a pena mesmo acreditar que daqui a alguns tempos teremos jogos que nos façam esqueçer os ilimitados caminhos dessa arte? =]

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  3. Obrigado pelas colaborações, Clérigo e Aaron.

    O q ressalto como sendo mais frustrante é o fato de termos sofrido dezenas de inovações, mas qse nenhum avanço proporcional no panorama RPGístico nacional. Talvez até já esteja tendo resultado, e eu não estou vendo, ou realmente ainda é muito cedo pras sementes germinarem. De todo modo, é bom saber q não sou o único a achar q os fantasmas dos "Doomspeakers" do RPG no Brasil finalmente sumiram.

    No mais, qto mais opiniões, melhor! Esta é uma corte de inverno, afinal!

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  4. Não preocupe Hayashi, não é. Realmente também não vejo esse avanço proporcional, principalmente no âmbito nacional. Até mesmo os sistemas e cenários nacionais que vejo mais pela internet me parecem mais tímidos e engatinhando nisso. Mas mesmo assim vejo muito material bom que precisa de mais publicidade.

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