30 de abril de 2011

Conto: As Crônicas das Terras Longínquas - Parte 2: O Legado de Charchadrax

Saudações das Terras Longínquas a todos!

Bom, o projeto CTL está crescendo e ganhando corpo. Fato, ainda não esgotei minhas idéias com o cenário, o que deve dar ainda mais uns dois ou três contos. Espero que realmente o negócio ande e que todos gostem, assim como tenho gostado, das idéias aqui empregadas.

Neste episódio, descobrimos a conclusão do conto da criação do mundo pelas mãos dos deuses sol e lua, e de seus filhos, os cinco deuses dragões... E do terrível destino do mais velho deles, Charchadrax, o dourado.


O Legado de Charchadrax

Dizer que se passou mais um dia comum e pacato no bucólico vilarejo de Vanar soa quase tão óbvio quanto dizer que a água é molhada ou que as pedras das montanhas são duras. Este dia, porém, não foi tão comum quanto os demais. Todas as crianças do vilarejo falavam empolgadas sobre a história do frei Tilian sobre a criação das raças do mundo, e das maravilhas criadas por Lorde Alragor, Lady Inara e seus cinco poderosíssimos filhos, os cinco deuses dragões. As crianças pequenas que não ouviram diretamente do conto, rapidamente ficaram sabendo na manhã seguinte ao conversar com seus amigos que estiveram na capela naquele tão fatídico e pacato entardecer. E, todas pareciam estar contando os minutos para que o próximo entardecer chegasse, os labores do vilarejo cessassem, e novamente pudessem se juntar na capela para ouvir o resto da história do paciente sacerdote.

É claro, alguns pais e mães ouviram da história também, mas eles também já sabiam de grande parte dela. Não que tivessem estudado os escritos sagrados com  o mesmo afinco de um sacerdote. Por mais baixo que fosse o saber de um frei, ainda era exponencialmente superior ao de um camponês. Ficaram felizes por verem seus filhos tão empolgados com as histórias da igreja, e também por terem seus filhos e filhas esbanjando saber sobre os tempos imemoriais. Alguns narravam com entusiasmo os deuses dragões com rugidos de gargantas infantis e passos lúdicos de quatro patas. Victo fazia seus soldados anões de pedra e lama, e se dizia o poderoso deus dragão de aço "Gracerá", e que os faria destruir os frágeis e fracotes elfos de pano e palitos de Ana. Por sua vez, Linus galopava cingido de sua espada de pau, capacete de balde e cavalo, também de pau, levantando tanta poeira que não demorou muito para que a brincadeira dos outros dois fosse inviabilizada. Logo os três "deuses dragões" estavam discutindo e já partindo para as vias de fato. Foi então que uma doce e alva mão separou a "guerra divina", e com uma voz angelical acalmou os ânimos.

Era Helena, irmã mais velha de Ana. Assim como todos os aldeões de Vanar, ela nascera e crescera ali. Em pouquíssimos momentos de sua vida deixando o vilarejo para ir às cidades. Nesses primaveris quatorze anos, ela já irradiava um ar de beleza capaz de inspirar centenas de canções românticas de sua pele clara, cabelos da cor do ouro e olhos que pareciam pedras de esmeralda talhadas pelas mãos dos deuses. De certo que ela arrancava suspiros dos garotos, mas esses se mostravam tímidos (ou com medo de seu pai, o corpulento ferreiro Tibério) demais para tentar algo, e ela também pouca inclinação demonstrava para o romance.

Fato é que ao saber da razão da pequena confusão, Helena ficou interessada em saber das histórias do frei Tilian, e prometeu que iria à tarde ouvi-las junto de sua irmãzinha. E foi com tamanha surpresa que Tilian notou o considerável aumento em seu público. Outras crianças se juntaram às que estiveram lá ontem, olhos e ouvidos afoitos pelo resto da história. Elas tinham outras dúvidas sobre os tempos da criação, outras perguntavam coisas já respondidas pela história anterior, por não estarem lá. E no meio do entrebate, apenas Helena ficava quieta, sorrindo e observando a tudo com o pudor louvável. Frei Tilian também notou outros dois ouvintes, muito mal escondidos nas janelas da capela. Por sinal, muito mais interessados na contemplação da beleza de Helena do que no que mais acontecesse lá dentro.

Vendo que as dúvidas estavam sendo sanadas com relativa eficácia, e que não se livraria de sua despretensionsa platéia até que finalmente sanasse a todos com o cabal mistério de "afinal, qual foi o legado de Charchadrax? O que irmão gêmeo do rei dos deuses dragões criaria de tão grandioso, para ser digno de sua estirpe?". Foi com um som de coçar da garganta que Tilian silenciou seu rebanho infanto-juvenil.

"Muito bem, imagino que estejam todos aqui para me ajudar na faxina da capela. Correto?"

"Nããããummm..." Disseram as crianças num uníssono e prolongado protesto. "Estamos aqui para saber de Xaxadax, frei Tilian." Disse Linus, empolgado e afoito pelo desenlace do mistério que tanto o fascinara.

Frei Tilian puxava o ar para falar algo, quando pareceu espantando. Lembrando-se de novo que Helena estava lá. Bom, e isso requeria algumas medidas prévias. "Bom, crianças... E o que vocês lembram do que lhes contei ontem?" Perguntou o frei, se sentando lentamente nos degraus que levavam ao altar.

"Eu lembro dos reis dragões!" Exclamou Victo. "Eles criaram os anões, os elfos, os humanos e... E... E os eladrins!" Victo contava com os dedos as quatro raças principais, e comemorou sozinho por se lembrar de todas elas.

"Isso mesmo, Victo. Cada deus dragão criou uma das raças que hoje povoa nosso mundo. Cada deus dragão também deu a eles um lugar para morar e viverem, e criarem outras coisas maravilhosas para melhorarem o mundo criado pelos seus pais, o sol, Lorde Alragor, e a lua, Lady Inara. Por isso os anões são mestres forjadores, os elfos mestres caçadores, os eladrins mestres da magia e nós, humanos, mestres exploradores. Nossos ancestrais aprenderam cada um desses ofícios com os deuses dragões."

"E o Xaxadax, frei Tilian? O que ele nos deu?" Perguntou de novo Linus, já torcendo o dedo em sua camisa pela ansiedade.

"Bom, nesses primeiros tempos, todas as raças eram imortais. Não só os elfos, mas os anões e os primeiros humanos também viviam eternamente. Todos louvavam os deuses maiores por terem criado um mundo tão belo e farto de comida e beleza. Os deuses, por sua vez, se alegravam e protegiam suas raças como seus pais os protegem. Mas..." Frei Tilian de novo perdeu a fala. Seus olhos procuravam em vão um meio melhor de dizer isso às crianças ali reunidas. E ele também não queria traumatizá-las ou coisa assim. "Bom, todos nos palácios celestiais estavam ansiosos também para verem a criação de Charchadrax. Esperava-se algo muito especial dele, pois ele era um dos mais velhos deuses dragões, e o mais amado pelos seus pais. Mas..." Silêncio. Ninguém na platéia ousava interromper, todos ansiosos pelo fim. Apenas Helena desviou o olhar do frei e fitou as outras crianças. Ela sabia aonde essa história levaria. "Charchadrax criou um poderoso feitiço, algo que usou todo o seu poder como deus dragão, e filho gêmeo mais velho das duas mais poderosas forças do cosmo. Este feitiço fez com que as almas de todas as raças se ligassem a ele... Eternamente. Assim, Charchadrax não só criou a morte, como fez com que, assim que morressem, todos se tornassem parte dele."

As crianças inspiraram de súbito, chocadas. "Xaxadax feio!" Gritou Raquel, apontando um dedo em riste para o chão. Como quem repreendesse um bicho de estimação.

Victo quase se deixou dominar pelo medo e assombro, mas então se lembrou e perguntou: "Frei Tilian, mas e os outros deuses dragões? Eles não fizeram nada?"

O olhar de Tilian chovia tristeza. Com um suspiro e braços caídos, ele respondeu: "Eles não podiam, Victo. O estrago já estava feito. E Charchadrax havia sido tão inteligente, que teceu seu feitiço de uma maneira tão complicada que nem mesmo Lady Inara ou Lorde Alragor conseguiram desfazê-lo. Seus irmãos ficaram furiosos. Charchadrax havia estragado toda a criação com seu ato descabido. Por isso o chamamos de Charchadrax, o louco; ou Charchadrax, o impiedoso."

Ana, então, levantou uma de suas mãozinhas. A outra lhe cobria a boca, escandalizada. "Seu frei Tilian, eu tinha um cachorrinho. O Ian. Ele morreu. Foi o Chachachadax quem fez isso?"

Talvez nunca tenha havido um momento em sua carreira religiosa em que Tilian desejasse com tanta intensidade que a mentira não fosse contra o seu credo. "Temo que foi sim, pequena Ana." Respondeu Tilian, um inconsolado tentando consolar outra.

"Chadraxax maldito!" Praguejou Victo com um olhar de fúria pura digno de um paladino frente ao mais execrável demônio. "Juro que se eu te pegar, eu te..."

"Foi mais ou menos isso que Iuno, o deus dragão safira disse, Victo." Disse Tilian, tentando colocar uma luz de alegria no túnel escuro. "Na verdade, todos os deuses, inclusive Lorde Alragor, ficaram tão furiosos que queriam matá-lo por tamanha maldição causada na criação." De novo, outra pausa dramática. "Mas foi então que Lady Inara os impediu."

"Mas por quê?" Perguntou Linus, inconsolável, como quem realmente contasse que agora fosse o momento em que o vilão seria punido. "Ele não merecia isso?"

"Talvez até merecesse, pequeno Linus. Mas Lady Inara ainda era mãe de Charchadrax. E ela amava tanto ao seu filho que não aguentaria vê-lo morrer assim. Do mesmo jeito que suas mães ficariam furiosas se virem alguém batendo em vocês ou lhes fazendo mal."

"Mas o Xaxadax é mau! Ele mata os bichinhos! Ele precisa ser castigado." Disse Ana, apertada no colo de  sua irmã mais velha, quase chorando.

"E foi, jovem Ana. Tamanho mal feito não poderia passar desapercebido pelo padrão de justiça do Altíssimo Lorde Alragor, e os outros deuses dragões também queriam se vingar. Assim, Charchadrax não foi morto, mas preso debaixo da terra. Seus irmãos e Lorde Alragor o castigaram tão forte que suas escamas douradas queimaram e ficaram negras como o carvão. Já sem forças e quase sem vida, ele foi jogado com tanta força dos céus que abriu um abismo sem fim nas montanhas do Norte, além das terras dos anões."

Charchadrax, deus dragão dourado...
Ou o que sobrou dele.

"Ah!" Victo pareceu se lembrar de mais outra coisa. "É esse abismo que é o Abismo de onde saem as coisas ruins que os anões vigiam?"

"Temo que sim, Victo. As fortalezas anãs vigiam as Terras Malditas para garantir que nada do que saia daquele fosso nos faça mal. Mas nem só anões ficam lá. Qualquer um que se ache forte o bastante pode se juntar a eles."

"Heh! Quando eu crescer, eu vou lá. E vou bater no Chardraxax eu mesmo!" Jurou Victo, fechando um punho com toda a força.

"Ah, mas não é só Charchadrax que espreita por lá... Bem, mas essa já é outra história. A Primeira Guerra."

"E como foi a Primeira Guerra, frei Tilian?" Perguntou Linus, com olhos sedentos.

"Já está tarde crianças e já as assustei demais para um só dia. Estejam aqui amanhã, e então lhes contarei mais a respeito."

De novo, o coro lamentoso que protestava contra mais um dia inteiro de suspense se levantou. E novamente ele foi conduzido para fora da capela do vilarejo. Preocupado, frei Tilian perguntou a Helena se estava tudo bem com ela ou com sua irmã. Ele pediu perdão por tê-la contado tão secamente as duras verdades de que, para todos, a vida termina.

"Você está perdoado, frei Tilian," respondeu a jovem dama do campo. "Se amanhã o senhor também contar a história de Miriã."

__________
No próximo episódio: Quem é Miriã? Acaso a platéia de Tilian crescerá? E Helena? Ficará com o Zé Mayer até o final desta série? Não percam no próximo post da série que virá... Um dia.

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