31 de maio de 2011

Conto: As Crônicas das Terras Longínquas - Parte 3: A Primeira Guerra


Eles foram deixados por muito tempo...

Mas jamais foram esquecidos. Não totalmente.

Eles aguardavam apenas até ouvirem o chamado.

O Chamado de Contulhu!

Beleza, após esta horrorosa abertura, venho aqui dizer que o projeto dos Contos das Terras Longínquas continuam. Não exatamente firmes e fortes, mas pelo menos ainda não totalmente desfalecidos. E agora os CTL têm um banner próprio que inclui uma ilustração paladinosa do Jason Engle. Acho até que foi aí que o Cassaro teria bebido para criar o Paladino de Holy Avenger, mas isso não vem ao caso.

No episódio de hoje, conheceremos mais um pouco sobre o primeiro grande enfrentamento militar que o mundo conheceu. E, principalmente, o que fez ele acabar.

As Crônicas das Terras Longínquas
Parte 3: A Primeira Guerra

O pôr do sol do dia seguinte viu um clima denso, nebuloso e frio no vilarejo de Vanar. Não que o brilho de Lorde Alragor tivesse se privado ou oculto por espessas nuvens. Mas algo estava faltando naquelas pessoas. O clima de alegria das crianças pareceu desaparecer após as histórias do frei Tilian. Não se ouvia riso, brincadeiras ou as vozes sadias das crianças, abatidas por descobrirem o culpado por praticamente todas as coisas ruins no mundo: o deus dragão negro Charchadrax. No imaginário infantil, até mesmo um dia chuvoso que as impedia de brincarem lá fora seria culpa dele.

Hoje, porém, a capela de Tillian recebeu visitas bem inesperadas. Eram Malthus e Tito. Frei Tilian talvez se lembrasse de tê-los visto espionando pelas janelas da capela durante a história de ontem. Muito provavelmente mais interessados na beleza de Helena do que no conteúdo real da história que o frei narrava. Os dois pareciam bastante nervosos por estarem ali. Os olhos de Malthus não paravam quietos, e o chapéu de Tito sofria apertos frenéticos dos dedos aflitos de seu dono. Tilian fingiu não tê-los percebido entrarem, enquanto varria o altar.

"F-fr-frei... Tilian... Senhor." Gaguejou Tito, após o que soou como uma cotovelada em suas costelas por Malthus. "Erh... O senhor poderia nos contar como foi?"

O gentil frei se virou, dando um descanso à vassoura de piaçaba. "Como foi o que, jovem Tito?" Perguntou Tilian intrigado, como se já não soubesse o tópico pretendido.

"A Primeira Guerra, senhor. Meus pais não parecem saber muito a respeito e... E nós queremos saber mais... Sobre ela."

"E o que será que poderia ter acontecido aos jovens senhores para se interessarem na Primeira Guerra tão repentinamente, hein?" Perguntou Tilian com um olhar acusador aos dois. Eles se entreolharam, esboçaram algumas vogais, e gesticularam em vão. "Tudo bem, jovens. Por favor, sentem-se. Vai ser realmente bom começar esta história antes que as outras crianças cheguem."

O olhar de Tilian deixou os dois rapazes e achou Helena, que passou pela porta da capela por um instante. Então ele se lembrou. "Vocês conhecem Helena, certo? Filha de Tibério. Ela é muito bonita, não acham?"

Os dois rapazes se envergonharam. Ninguém em sã consciência discutiria tais assuntos com um sacerdote de respeito. Mas Tilian prosseguiu assim mesmo. "Foi uma jovem como ela que teria começado toda a Primeira Guerra. Mas isso foi há muito tempo. Após a criação dos seres vivos e do mundo, e até mesmo após a criação de Charchadrax. Nessas primeiras épocas, os deuses dragões acompanhavam o desenvolvimento de suas raças criadas. Eles ensinaram aos seus filhos as leis da civilidade, a tirarem da natureza o que precisassem para sobreviver, e os ofícios típicos de cada reino. Mas não falaram nada sobre Charchadrax e sua condenação. Passaram-se séculos, e com o tempo, a presença dos deuses dragões na Terra era cada vez menos necessária. Assim, logo os deuses dragões se retiraram completamente para os céus de onde apenas assistiam os feitos gloriosos de cada um de seus filhos. Por gerações, reis e rainhas se seguiram. E os deuses dragões muito se alegravam pelo desenvolvimento de suas criações. Mas, foi no distante reino élfico de Ladérsia que uma notícia logo colocou todos os habitantes em tensa preocupação. A princesa herdeira havia desaparecido. Seu nome era Zora."

Princesa Zora, da Casa de Sarel. Herdeira à coroa de
Ladérsia... Ou deveria ser...
"Princesa Zora de Sarel?" Perguntou Malthus.

"Então conhece a lenda, meu jovem?"

"Conheço o que ela se tornou. Ela é a pr-"

"Não estrague a surpresa, jovem Malthus. E o que você conhece é apenas metade da história. Princesa Zora nem sempre foi conhecida pelas atrocidades que cometeu. Antes de tão indecorosos títulos, enquanto ainda habitava a casa real de seu pai, ela era conhecida como Jóia Radiante das Florestas, tamanha era sua beleza. Por amar aos animais mais do que tudo, ela também ganhou a alcunha de Irmã das Feras. Mas o fato é que seu sumiço colocou em polvorosa toda a Ladérsia. Patrulhas reviraram lares e covis em busca de pistas do paradeiro dela, mas nada podia ser encontrado. As pretensas conclusões logo direcionaram os olhares do trono de Ladérsia aos reinos vizinhos."

"E então os elfos invadiram as montanhas anãs, não foi, frei Tilian?"

"Em parte certo, jovem Tito. Os elfos passaram a desconfiar de um seqüestro por parte do reino anão. Pois ambos sempre tiveram certa rivalidade. Que nunca chegou às vias de fato nesta proporção, é verdade. Mesmo assim, se tratando de pais preocupados com o desaparecimento de sua filha, hoje chego a entender a atitude. Crendo que seria urgente uma investigação em 'solo inimigo', os elfos mandaram soldados clandestinamente ao território anão. Pois a burocracia da permissão duraria um tempo precioso para encontrar a princesa desaparecida. Os anões então entenderam isto como uma invasão e um ato de guerra. Os humanos das Terras Altas, porém, tentaram intervir diplomaticamente, crendo que isso não passava de um mal entendido. Por terem repelido o avanço das forças militares élficas, os elfos entenderam que os humanos haviam tomado partido dos anões e logo lançaram retaliações em outros territórios, vizinhos ao reino de Ladérsia. Em questão de dias, os reinos estavam com facas nos pescoços um dos outros, e teve início a Primeira Guerra."

"Frei Tilian, me desculpe, mas... O que Helena tem haver com isso?" Perguntou Malthus, com um olhar confuso.

Tilian se permitiu um pequeno sorriso. "Qualquer elfo consideraria uma heresia dizer que Helena é tão bela quanto Zora, mas ela tinha quase a mesma idade quando desapareceu. Pouco mais do que uma criança, mas não uma mulher. Canções élficas antigas descrevem Zora como tendo um sorriso com a beleza do amanhecer e a voz agradável quanto a brisa de verão. Ela deveria certamente ter sido uma jovem muito amável. E na visão de Ladérsia, qualquer um gostaria de tê-la como refém. E qualquer coisa seria válida para tê-la de volta."

"E aonde ela foi parar?" Perguntou Tito.

"Isto, jovem Tito, também está para ser narrado nesta história. Mas antes disso, gostaria de lhes dizer que os deuses dragões não ficaram nada satisfeitos ao verem seus filhos guerreando entre si. Porém, se interferissem diretamente, isso desmoralizaria o poder seus reis, e talvez incentivasse Charchadrax a agir mais ativamente também. Ainda tendo esperança de que as raças dominantes se lembrariam de seu legado, os deuses dragões enviaram então seus avatares: os dragões que hoje povoam os cantos ermos da Terra; e os draconatos. Eles deveriam lembrar aos reinos que esta guerra insana não traria resultado algum, e que esta não era a vontade dos deuses dragões. Alguns reinos simplesmente não deram ouvidos aos emissários divinos. Outros os caçaram. E outros ainda, compraram esses emissários com subornos e ofertas de poder e riqueza."

Os exércitos dos diversos reinos se mobilizam para a Primeira Guerra.
"Senhor frei Tilian... O senhor falou de apenas três reinos... As Terras Altas, os anões de Al-Harzik, e os elfos de Ladérsia. E onde estão os eladrins de Mirandel?" Perguntou Malthus.

"Os eladrins se refugiaram em seus castelos de prata e ouro, temendo interferirem na insanidade da Primeira Guerra e atrair sua desgraça para si. Porém, por ser o único reino que de um modo ou de outro obedeceu a vontade dos deuses dragões, não demorou muito para que dragões e draconatos buscassem refúgio em suas terras, e as protegessem conta qualquer ameaça dos outros reinos. O tempo passou, porém. E todo o reino de Mirandel se doía ao ver o resto do reinado se digladiar durante anos num conflito cuja causa já fora esquecida por todos os combatentes. Foi então que o reino de Mirandel lançou uma ofensiva voraz, tendo como aliada revoadas de dragões e soldados draconatos reforçados com a mais furiosa magia eladrin. Os reinos de Ladérsia e os principados humanos do sul logo não mostravam condições de sustentar a guerra por muito tempo, e era exatamente isso que os eladrins pretendiam. Que, não podendo mais guerrear, esses lados se mostrassem mais inclinados a conversarem pacificamente."

"E funcionou?" Perguntou Tito.

Frei Tilian abriu a sua boca para responder, mas foi então que uma leve batida veio da porta da capela. Era Ana, que estava de mãos dadas com sua irmã Helena. "Frei Tilian," Iniciou Helena. Sua voz calma encheu a capela com o cheiro de jasmins. "O senhor poderia nos receber agora?"

"A casa de Miriã é a casa de todos, Helena. Você sabe que sempre pode entrar."

"Imã, não sei se quero ouvir o resto da história. Tenho medo." Disse Ana, agarrando-se ao vestido de sua irmã, e com vergonha dos dois rapazes que já estavam lá.

"Agora vem a parte boa da história, pequena Ana. Por favor, sente-se." E logo as duas irmãs se sentaram com pudor e graça. E foi preciso que Tilian pigarreasse para que Tito e Malthus olhassem de volta ao frei.

"Bom, foi neste momento que as forças sombrias do Norte atacaram. Os anões pareciam investir com mais força nos reinos centrais, mas logo se viu que não era essa a verdade. Eles fugiam de horrores inomináveis. Bestas das profundezas que vinham não para dominar, mas para destruir. Abominações mortas-vivas que não se cansavam ou saciavam sua fome da carne viva. Assombrações e demônios capazes de fazer o mais férreo guerreiro temer. Diante dos reinos desorganizados e enfraquecidos pela primeira guerra, o exército demoníaco de Charchadrax apenas se movia para uma conquista certa sobre a terra dos vivos. Sobre o comando das bestas colossais do Traidor, estava ninguém menos do que a princesa Zora. Ou um reflexo demoníaco de sua antiga inocência. Agora transformados numa cacofonia de gargalhadas sádicas sob o estalar de um chicote que ardia com a dor de mil almas."

Ana se encolhia cada vez mais, e provavelmente teria enterrado seus ouvidos no colo de sua irmã mais velha se pudesse. Helena apenas lançou um olhar de repreensão a Tilian, e ele entendeu que era hora de falar de que ela lhe pedira.

"A legião demoníaca avançava sobre as terras dois reinos desimpedida. Nada parecia pará-los, e a cada soldado derrubado dos reinos, outro surgia do lado inimigo. Mas foi então que, no hoje Sagrado Marco do Triunfo, que algo miraculoso aconteceu."

Os olhos de todos acenderam com a ânsia da pergunta "O que?", e até mesmo Ana se permitiu destampar um de seus olhos lacrimejantes. "Mesmo antes do Dia do Triunfo, já corriam lendas sobre a sacerdotisa Miriã. Uma mulher de fato santa, tanto que sou sacerdote de sua fé. Ela era uma humana, mas pouco se sabe sobre suas origens. Alguns escritos dizem que ela nasceu de uma nova união entre Lorde Alragor e Lady Inara, por terem perdido a fé nos deuses dragões. Outros dizem que ela era apenas uma humana que encontrou a verdade divina. E ainda há os que pregam que apesar de ela ser humana, ela seria fruto de todos os deuses dragões, que teriam assim criado o ser perfeito." Frei Tilian se permitiu uma pausa dramática, ou talvez tomasse fôlego. "Mas histórias corriam de que ela era uma mulher muito sábia, capaz de discutir de igual para igual com os mais doutos eladrins, ou de correr como um elfo, e sua coragem diante do mal não tinha rival. Tanto que as doenças fugiam de sua presença, e o próprio ódio reinante entre os reinos parecia desaparecer por onde ela passasse. Muitos foram os seus milagres, mas muitos não criam que ela de fato existisse. Até o Dia do Triunfo."

"O Dia do Triunfo é quando comemoramos a derrota de Charchadrax por meio de Miriã, não é verdade, frei Tilian?" Perguntou Helena, planejando que a resposta tranquilizasse um pouco sua aflita irmã caçula.

"Não poderia definir melhor, jovem Helena. Meus parabéns. Miriã apareceu aos soberanos de cada reino em sonho, e pediu para que comparecessem ao saguão real da capital Harárdia, pois de lá ela libertaria o mundo do mando do maligno Charchadrax. Durante toda a noite e madrugada, ela respondeu as perguntas dos soberanos sobre a natureza das hostes que invadiam os reinos. Os soberanos ficaram maravilhados com sua sabedoria, e começaram a ter esperanças de que poderiam vencer o conflito que já batia as portas deste mesmo palácio, no meio do mundo. Até o nascer do sol, Miriã foi testada pelos soberanos, e em nada foi reprovada. Mas assim que os primeiros raios da manhã despontaram, ela se dirigiu ao pátio frontal do castelo. O céu estava enegrecido pelas fogueiras e magia negra das hostes do Traidor. Os soldados reais se preparavam para anunciar sua derrota e talvez implorar por clemência aos demônios, mas Miriã estava lá, como um ponto de tranqüilidade e fé em meio a um mar revolto de sangue e ódio. Suas palavras foram para sempre guardadas nos Santos Escritos: 'Deste ponto, não passarás, Traidor! Pois hoje raia um novo dia de uma nova era! Pois antes as mães pariam para as covas, e os homens trabalhavam para a ruína. Mas hoje, faço com os altos deuses um novo pacto. Não mais ceifarás as almas dos vivos ao teu favor, mas com meu sangue escrevo o novo caminho que os eleva aos céus!'."

"A Miriã falou isso mesmo, frei Tilian?" Perguntou a incrédula Ana, enxugando seus pequenos olhos.

"Sim, pequena Ana." Respondeu frei Tilian, com um sorriso largo e um olhar agradecido aos céus... Ou ao teto de sua capela. "Naquele instante, os céus se abriram com uma luz jamais vista na história dos reinos, e todas as hostes de Charchadrax foram destruídas pelo poder de Miriã. Todos comemoraram a vitória impossível, e mais ainda, puderam voltar a seus lares e terras natais do Norte. Mas, quando se viraram para onde Miriã estava, encontraram apenas sua estátua, na pose gentil de sacerdotisa piedosa, com o olhar firme para o Norte, como está até os dias de hoje no mesmo local no palácio de Harárdia. Nesta parte, o mito se divide. Há quem diga que a pura alma de Miriã foi sacrificada para carregar a impureza do feitiço maligno de Charchadrax, os anões dizem que ela se transportou ao Abismo e combate até hoje com o Traidor em pessoa, mas também há quem creia que ela tenha simplesmente invocado um feitiço tão poderoso para purgar as forças inimigas que a transformou em pedra, tirando-lhe totalmente a vida. Mas o que todos concordam é que Miriã venceu Charchadrax. E que graças a elas, não teremos mais que morar no Abismo sombrio e doloroso ao qual o deus dragão negro antes nos condenara, para lutar a seu favor num pós-vida profano. Graças a ela, hoje vamos morar nos Palácios Celestiais junto de Lady Inara e Lorde Alragor."

"Então é isso que vai acontecer conosco quando morrermos?" Perguntou Ana, com um sorriso inocente.

"Enquanto não fizermos nada que desobedeça os ensinos de Miriã, sim, pequena Ana..." Respondeu Tilian.

A menina nem esperou que o frei terminasse a frase. Saiu em disparada pela capela, contando a quem quer que encontrasse pelo caminho para contar a plenos pulmões sobre as boas novas que descobriu. Que Miriã havia salvo toda a Vida do maligno Charchadrax. Que por meio dela, não precisavam mais viver com medo do amanhã, e que ela fez muitas coisas boas.

Os três adolescentes lá dentro viam o entusiasmo dela, e o admiravam ao lado do frei Tilian. E finalmente o sol nasceu em Vanar.

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Leia Também:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...