23 de abril de 2015

Game Thinking - MOBA: Uma Expressão do Lúdico Contemporâneo?

Da série: "Este era um assunto que queria colocar aqui já faz algum tempo mas a preguiça forças ocultas me impediam", venho já há algum tempo pensando em criar uma seção, talvez curta, talvez que não renda mais do que alguns posts, mas que venho concluindo que, mesmo assim, ela ainda vale a pena.

Em suma, "Game Thinking" é o nome que venho propondo a esta seção (tá, eu sou péssimo para títulos) que visa analisar os jogos e a experiência de jogos em si num ponto de vista um pouquinho mais profundo. Não basta simplesmente dizer o que é legal e o que não é por pontos de vista totalmente subjetivos. O que continua sendo algo legal. Mas aqui, eu gostaria de propor análises e discussões a estas mesmas análises mais fundamentadas. Algo que sempre vejo em canais do youtube americano, como o Game Theory (embora este vise tratar exclusivamente de jogos eletrônicos), mas usando este mesmo espírito (e queira Deus, afinco, porque por pior que seja, Matthew Pattrick ainda é um baita pesquisador) para RPGs, boardgames e qualquer outra nerdice mais habitual por aqui. Sim, provavelmente veremos um ou outro videogame por aqui. Afinal de contas, eles também atuam na equação como "experiências de jogos" totalmente válidas também.

Confesso que ainda não tenho muito sobre o que falar já planejado. E que também estes mesmos temas poderiam constar na quase extinta "Corte de Inverno" do blog. Mas a diferença é que aqui nos propomos mais a analisar porque cada coisa funciona (ou não). Algo do tipo "manual de gamedesign?" Quisera eu. Nem de longe eu seria um bom conhecedor da área e ser um bom gamedesigner requer muito mais do que o que eu tenho a oferecer.


MOBAs: Eles já estão entre nós.
LoL vs. DOTA: Quer ver os nerds se espancarem?
Ponha na roda de discussão qual deles é melhor.
Assim sendo, um dos temas que gostaria de expor/discutir inicialmente seriam os MOBAs. Massive Online Battle Arenas. Jogos superficialmente simples, capazes de possuir uma complexidade intrínseca assustadora, geradora por si só de algoritmos absurdamente complicados e claro, muito nerd-rage. Além, claro, de te apresentar a siglas estranhíssimas com as quais você provavelmente nunca teria contato como LoL ou DOTA. Embora estejam atualmente no que creio ser a parte decrescente de sua curva de "moda", MOBAs se tornaram imensamente famosos e lucrativos nesses últimos anos. A ponto de até mesmo a DC Comics ter resolvido lançar o seu próprio com seus consagrados heróis como personagens (Infinite Crisis). Por quê? O que teria feito este modo de jogo sinônimo dos atuais e-sports se tornar uma epidemia coreana? Teria sido uma conspiração comunista para aniquilar as mentes dos jovens e futuros líderes do mundo ocidental? Ou algo... Bem menos conspiracionista?

Primeiramente, às prioridades. Se você por um acaso não está a fim de ter gigabytes de seu computador tomado por um jogo desses, e/ou nem faz a menor ideia do que de fato se trata este troço, e/ou não está nem um pouco a fim de ter dedos imberbes ofendendo toda a sua progenitura por ser um "noob", bom, vamos a uma introdução básica. De modo geral, MOBAs consistem em disputas de equipes de cinco jogadores, normalmente divididos em tarefas/nichos específicos de personagens, que visam um destruir o ponto mais defensável do mapa inimigo. A equipe que conseguir tal feito se sagra vitoriosa da partida. Conforme mencionei, isto parece bem simples. Porém, é um ledo engano. Mas não estou aqui para falar sobre capacidades de farm ou builds que gerem um dano crítico absurdo.

Um dos fatores que gostaria de destacar sobre a experiência de MOBAs é que o modo em si é extremamente cooperativo (embora uns sejam mais cooperativos que outros, como o Heroes of the Storm, da gigante Blizzard), mas esta "cooperatividade" é algo que merece um exame mais profundo. Conforme também já havia mencionado, outra marca clássica característica do gênero MOBA é a infeliz toxicidade de alguns jogadores em querer tornar qualquer deslize numa tragédia homérica. Isso não raramente acaba virando um efeito bola de neve que não raramente arrasta o grupo inteiro a uma derrota amarga. Ora, não faria muito mais sentido orientar construtivamente o indivíduo responsável pelo deslize instantâneo? Ou talvez até mesmo ajustar-se às incapacidades do personagem/jogador desfavorecido? Mas não. O que mais se vê são jogadores enfurecidos e totalmente anti-cooperativos em relação a estes dois aspectos. A razão para isso, é um pouco subliminar, mas analisemos um pouco mais profundamente sobre esta camada superficial de 3 lanes.


Acima, temos a típica tela de "placar" do LoL. Instrumentos semelhantes são comuns em todos os MOBAs, e geralmente ficam facilmente acessíveis simplesmente apertando seu "Tab". A razão para isto ser tão facilmente acessível é obviamente porque são estatísticas bastante importantes para a partida. Mas um grifo que eu gostaria de exercer é para o fato de que você não vê apenas quão bem na partida está sua equipe. Você também pode ver e avaliar como está cada integrante de cada equipe. E aonde quero exatamente chegar: Como você está em relação a cada integrante da sua equipe. Creio que exatamente um dos maiores vetores do "rage" (e da simétrica e consequente impopularidade do HotS no alto círculo competitivo) seja exatamente uma das "fontes de adrenalina" velada esteja por aí. Basicamente, não basta estar na equipe vencedora. Não basta cooperar com seus colegas de equipe para o benefício comum (a vitória é de todos afinal). O mais importante é fazer o seu papel corretamente. Se alguém do seu lado não está fazendo o papel dele, o mesmo merece ser punido. Seja com o rage fluindo aos borbotões no chat ou carregando o estigma de ser o responsável pela derrota do time inteiro. Chega a parecer engraçado, idiota e irônico, mas nem por isso menos tangível. Mas, análogo a uma das frases que vi no Twitter a fora: "O Brasil é tipo um avião lotado onde metade dos passageiros não vai com a cara do piloto e torce para o avião cair por causa disso. Mesmo com eles dentro".

MOBAs deveriam sinceramente
vir com esta etiqueta.
O cooperativismo dos MOBAs não é tão profundo, comovente e divertido tanto quanto parece. Gêneros anteriores, que já estiveram em alta anteriormente já faziam isso, como os FPSs ou basicamente qualquer espécie de PVP de equipes em MMOs genéricos. Por que apenas agora tivemos esta explosão epidêmica de MOBAs com prêmios literalmente milionários e disputas acompanhadas fervorosamente por uma multidão virtual (e real, já que estes mesmos campeonatos lotam estádios e ginásios mundo a fora)?

Um dos meus autores de Sociologia prediletos é Georg Hegel por ter cunhado o termo Zeitgeist. Um conceito quase esotérico, de um "espírito da sociedade" que resumindo MUITO é responsável por criar circunstâncias e cenários ideais para que determinadas mudanças ou revoluções ocorram apenas num determinado momento e local, nunca antes ou depois. Acho que é nisso que os MOBAs atuam, deliberadamente ou não, causando tamanho alvoroço.

Seria esse desencanto com o altruísmo de nossa sociedade algo puramente infundado e paranoico da minha parte? Sinceramente? Espero que sim. Por mais que qualquer lida em discussões sobre a redução da maioridade penal pareçam apontar para o contrário. "É preciso punir!", "Aqui se faz, aqui se paga", "Se está com pena, leva o bandido pra casa", etc.

O cooperativismo dos MOBAs é bem análogo ao nosso cenário social atual, creio eu. Nossa civilização ocidental é capitalista. Isso envolve competição. Mas não mais uma competição solitária. Não somos indivíduos uns contra os outros. Somos organizações, empresas, firmas, equipes, famílias tentando vencer esta competição diária. Ou, pelo menos, não perder. O lado ruim é que este mesmo cooperativismo desprivilegia o indivíduo em favor do coletivo. E nossas almas gregamente educadas precisam se sentir destacadas e importantes em relação à "massa incapaz". Os jogos sempre foram (pelo menos na modernidade) uma válvula de escape para isso. Obviamente, usar até mesmo o RPG de mesa como válvula de escape não é algo tão estranho. Os videogames o faziam com menor intensidade, mas assim que se tornou possível criar algo seu para atuar num mundo fictício onde você é um herói, a figura mudou. Projetar-se no seu personagem de MMO pareceu ser uma doença psicosomática há não muito mais de uma década. E agora, com os MOBAs, a válvula de escape parece ser descarregar esta mesma agressividade reprimida para se sentir superior não só a seus adversário, mas a seus próprios colegas de equipe. Uma necessitada massagem num ego machucado pelo cenário social hostil ao indivíduo acessível em partidas de em torno de meia hora. Acho bastante lucrativo não? Caso não consiga desta vez, o processo se reinicia até que por algum milagre do algoritmo de nivelamento ou pura sorte o treco dê certo.

Algo que o RPG de mesa poderia aprender com isso? Acho que não muito, mas esta, também, já é uma conversa para uma outra hora.

Fato, meramente escrever a respeito me fez entender que o assunto facilmente conseguiria abordar dimensões camônicas. Não quero fazê-lo e acho que já falei até demais aqui. Claro, outros autores, teóricos e estatísticas sempre viriam a ajudar, mas acho que por hora, já temos bastante coisa. Mas, "hey, that's just a theory... A Game Thinking Theory! Thanks for watching.".


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