7 de agosto de 2015

Overwatch... Racista?

Saudações, pessoal!

Bom, estes últimos dias têm sido até que bastante calmos. Ando preparando alguns posts (estou desenvolvendo o hábito de deixá-los guardados por algum tempo antes de liberá-los propriamente ditos, como sempre fiz), e tentando criar novas coisas para ajudar o povo brasileiro com a edição brasileira de L5A.

Mas resolvi interromper o combo praticamente infinito de posts rokuganis por algo com que trombei nas navegadas pela Internet à fora. Ok, eu já sou viciado fã do trabalho da Blizzard há algum tempo. Embora eu já conhecesse a franquia Warcraft há tempos (vai, filme! Vai!), confesso que entrei há pouco tempo em WoW. E nessas indas e vindas, claro, fiquei bastante empolgado com a notícia de que a empresa agora resolveu se arriscar num jogo de tiro à-la "Team Fortress 2" chamado Overwatch. Hype pelos trailers, feliz com cada vez mais gameplays e empolgado de fato pelo jogo em geral. Até que...





Já circulavam altas teorias sobre um possível personagem brasileiro. Qualquer pessoa mais atenta que tenha assistido o trailer cinematográfico notou não só um, mas vários personagens que ainda não foram definidos em lugar nenhum. Enquanto isso, a dona Blizzard continua a anunciar personagens novos... O que eu acho meio bobo. Se o jogo ainda não saiu, TODOS os personagens são novos. Mas enfim. No meio desse fogo cruzado todo, a Blizzard veio por fim, ainda nesta mesma semana a anunciar um destes personagens novos: Lúcio! Um guerreiro da liberdade nascido e criado nas favelas do Rio que usa uma arma sônica e literalmente desliza pelo campo de batalha usando patins futuristas que deixam um rastro de luz maneiraço.

"Sente a batida!"

Legal, não? Bom, pelo visto, não na visão de todo mundo. E é aí que este post entra (definitivamente, eu preciso parar com essa mania de escrever introduções tijolosas antes de abordar o assunto propriamente dito). Ok, mea culpa ter caçado opiniões justamente num dos recônditos mais sombrios e nefastos da rede, a seção de comentários dos vídeos do youtube, mas o que se percebe por lá, é de fato chocante.

Já não bastassem o oceano de críticas que o jogo recebe por ser "cópia de Team Fortress 2" (o que se desmente facilmente ao se ver os gameplays. Eu, pessoalmente, não me empolguei tanto assim com o TF2. Achei sinceramente o OW mais dinâmico, bonito, divertido e cooperativo), unem-se ao coro de haters refrões do tipo: "personagem estereotipado. Claro que o brasileiro tinha que ser um DJ negro"; "americano acha que Brasil é só RJ. Carnaval e futebol."; "música brasileira está tão ruim que agora causa até dano nos inimigos" (esta eu achei até engraçada). Bom, enfim. Falar de racismo no Brasil sempre é complicado e não raramente ocasiona todo um conclave inflamado de causas sociais com direito a choros eloquentes e outros efeitos especiais. Não é bem disso que eu quero falar, mas sim, a coisa é tensa, e acho que cabe ainda um olhar mais a fundo do que o habitual neste caso. Vamos, então, às queixas:

1. Lúcio é um personagem estereotipado
Muita gente já trombou com palavras deste tipo em seu curso superior. Estereótipo, arquétipo, e outras proparoxítonas, são usadas principalmente para exemplificar imagens gerais, verdadeiros "tipos" (vide o conceito de "tipo ideal" também) que se associam a generalizações. Verdade seja dita, qualquer generalização universal comete falhas, mas são úteis até determinado ponto, criando efeitos gerais de como determinada realidade provavelmente é e nos auxiliam em planejamentos gerais em prazos muito mais curtos do que se imagina leigamente. Ou seja, estereótipos não são tão ruins assim. Eles até podem ajudar em alguns casos, mas o perigo está em se resumir apenas a eles. Principalmente quando esta imagem é negativa, perjorativa ou causa algum tipo de constrangimento.

Estereotipado? Eu?
Ora, enquanto asiático (aliás, real minoria racial aqui no Brasil, mas isto é outra história), jamais vi ninguém reclamar que o personagem japonês mais famoso dos games vem a ser um lutador de karatê lançador de bolas de fogo que viaja o mundo inteiro trocando socos e pontapés com quem aparecer pela frente"em busca do mais forte". Aliás, ainda que digamos que a imagem de Lúcio se aplica a todos os brasileiros (coisa que a desenvolvedora nunca disse. Há uma ENORME  diferença entre dizer que "há um brasileiro que é DJ e negro" e "todos os brasileiros são negros e DJs"), esta imagem ainda é muito melhor na minha opinião do que a imagem do ícone brasileiro verde e de cabelos desgrenhados que luta uma versão MUCHO-LOKA de capoeira. Aliás, vindo da mesma franquia do japonês citado ainda neste parágrafo.

Eu achei sinceramente a imagem de Lúcio bastante condizente com seu histórico, e isto é algo bem legal. Enfim, a pergunta que mais deve ser feita aqui, não é nem tanto "por que o personagem brasileiro tem que ser negro?" e sim "o que há de errado com o personagem brasileiro ser negro?". E esta pergunta sim, pode levar a respostas realmente assustadoras.

2. Lúcio reduz a cultura brasileira ao estereótipo
Uma das coisas em que a Blizz sempre foi boa foi em criar lore. Warcraft por si só foi um divisor de águas não só por "inaugurar" o gênero de estratégia em tempo real, mas inovar bastante em certos arquétipos da fantasia medieval. Orcs como vítimas da situação e não vilões dantescos? Humanos sendo altamente preconceituosos? A tendência se seguiu com o mundo futurista espacial de Starcraft, em que a humanidade acaba sendo a gênese de um de seus maiores algozes, o enxame Zerg. Porém, qual não foi a surpresa quando o lore de Overwatch não se instala... Na nossa Terra. Sim, os países são os mesmos, a história do mundo de Overwatch se parece em muito com a do nosso, exceto nos pontos diretamente concernentes a ele, como a crise ômnica, etc.

Este mesmo primor pela história e por personagens cativantes naturalmente chegou a Overwatch. Temos vários personagens legais e por vários motivos. Desde a carismática inglesa hiperativa, ao misterioso assassino com roupas negras e temas caveirosos, passando, naturalmente, por uma indiana cientista gênio (e gata), uma egípcia piloto de caças e um ninja-yakuza em busca de honra e redenção. Não nos esqueçamos também das máquinas capazes de nos confundir quanto a própria humanidade. Assim sendo, porque então reduzir um outro personagem a apenas: "Brasileiro negro DJ patinador"?

Porque esta redução simplesmente inexiste. Analisemos portanto a história de Lúcio: Ele é um jovem de origens humildes, natural das favelas, que viu sua população ser explorada por um mega conglomerado ao ponto das pessoas se revoltarem e lutarem contra o sistema. Acho bastante relevante aqui ressaltar o quanto Lúcio na verdade é um herói. E do povo. No sentido clássico da expressão mesmo. Ele se destaca dentre a massa incapaz para fazer o que ninguém mais faz e sai triunfante (ou sai até alguém começar a feedar com ele, mas isso é outra história). E já era mesmo antes de sair por aí dando tiros em outros heróis. Segundo a própria história, Lúcio decide primeiramente ser um DJ para inspirar as pessoas através da música. Dar a elas meios de relaxar e motivos para festejar. Talvez dar a elas uma merecida folga antes de poderem enfrentar a situação de exploração. Sim, ele sabia que a coisa estava ruim, mas não apela para a violência primeiramente. E melhor ainda, ele escolhe se dedicar a uma arte. Só então encurralado, é que ele decide pegar as armas e partir para a briga. Pode parecer uma redução do caráter do inconsciente coletivo nacional, mas eu gostei bastante desta ideia. Nós de fato não somos um povo agressivo ou com uma tradição guerreira invejável. Não saímos por aí prepotentemente na política internacional chutando bundas alheias aos borbotões. Tá, nós nem temos condições disso, mas acho que ainda que tivéssemos, preferiríamos ficar na nossa ao invés de sair por aí invadindo outros países (mesmo quando deveríamos por direito tomar posturas internacionais mais rígidas, como foi o caso de uma certa usina aí...).

Analisemos, também, o que este herói faz. Ele inspira companheiros como suporte, curando ou acelerando-os. E isso também é bem legal. E acho bastante condizente com nosso "estereótipo internacional". O povo brasileiro ainda tem uma imagem bastante coletiva. Embora raramente sejamos protagonistas na história mundial, estamos por perto, tentando participar e ajudar no que pudermos. Fato, esta participação tem crescido, mas acho correto nos considerarmos enquanto país como um "suporte" para tantos outros.

Talvez seja meio sintomático disso tudo uma falta de "orgulho próprio" do brasileiro em geral. Costumo dizer que somos um povo "xenófilo". Adoramos qualquer coisa que venha de fora em detrimento às nossas. Isso pode nos fazer ignorar que existiram vários brasileiros dos quais se orgulhar em vários campos diferentes. Drummond, Santos Dummont, Oswaldo Cruz, Machado de Assis e Niemeyer são apenas a ponta do iceberg. Isso mostra que não nos destacamos em apenas um ponto enquanto povo. Temos gente de tudo quanto é cor, religião, cultura e filosofia de vida no país. Somos imensos. Reunimos todos os povos, mesmo rivais, onde podem viver em paz e conversar e talvez até enxergarem que têm muito mais em comum do que pensam. Somos miscigenados. Essa mistura é algo que ainda espero ver quebrando paradigmas e revolucionando não só a tecnologia no futuro próximo. Somos um povo que tem tudo para "exatificar as ciências humanas e humanizar as exatas". Enfim, qualquer brasileiro sabe o quanto o Nordeste é diferente do Sul, que são diferentes de São Paulo e Rio e ainda assim temos uma baita floresta tropical lá no Norte. Então por que não se vê esta mesma variação cultural em Lúcio? Bom, a resposta prática é: Porque ele é um só. Seria muito problemático apresentar tantas facetas assim em um só personagem, embora eu espere ansiosamente alguma skin para ele do tipo "maracatu elétrico". E ele também precisa ser identificável para os gringos, então... Bem, essa imagem vem bem a calhar.

3. Considerações Finais
Outra coisa que li a respeito de Lúcio era sobre seus patins. Que eles seriam surrealmente patins para o gelo, totalmente inversos ao clima do Brasil. Bom, após uma rápida pesquisa, a ideia se desfaz. O jeito como Lúcio se move, suas "joelheiras" e o próprio efeito sonoro indicam muito mais um inline futurista (por isso, sem rodas) do que um patins de gelo propriamente dito.

Enfim, a moral da história é que, pelo menos ao meu ver, não só não há nada de errado com Lúcio quanto a ele ser uma "representação racista e imbecilmente reducionista" como alguns dizem. Achei ele bem legal, divertido de se jogar e bastante útil também.

Aguardando ansiosamente Overwatch aqui. Se você ainda não conhece, pesquise no youtube a respeito. Vale certamente o passeio.

PS.: Trailer das Habilidades de Lúcio:

E mais, em Português:

3 comentários :

  1. Concordo plenamente contigo, nobre amigo. Também acompanhei um pouco do enredo desse novo jogo, e não vejo problema nenhum no personagem brasileiro. Muito pelo contrário: Ele é humilde, tem bom caráter e moral superior a muitos dos personagens que formam o jogo. É um personagem que muitos jovens (independente da nacionalidade) conseguirão facilmente se identificar, especialmente por conta da personalidade e maneira de ver a vida.

    E lembremos que há no jogo, entre outros, um japonês mafioso e um militar alemão, e nenhum desses dois povos se queixou sobre esteriótipos. Mas com brasileiros, TUDO é motivo para reclamar sobre racismo, preconceito, etc. Se o personagem fosse o oposto do que é , as reclamações seriam de elitismo, falta de coerência com a realidade do povo brasileiro e por ai vai.

    É como no episódio dos Simpsons em que a família vem ao Brasil; o desenho satirizou todos os países em que Homer e companhia estiveram, e devemos lembrar que os Estados Unidos são motivo de chacota em todos os episódios. Todos aceitaram a brincadeira como o que é: Uma brincadeira. Mas aqui no Brasil, houve um escândalo, a ponto da Fox se desculpar em todos os intervalos comerciais dizendo que aquele episódio não refletia a opinião da emissora sobre o Brasil.

    Lamentável, mas acho que este problema de auto-estima de nosso povo nunca irá se resolver...

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    Respostas
    1. Desculpa a demora em responder, Odin. Mas tb tem isso tb. Evitei levar o post pra este lado, se não descambaríamos para falar sobre a "crise de vira-latas" e isso seria um descarrilhamento desastroso do post.

      Cheguei a ouvir (eu disse "ouvir" mesmo, pessoalmente e talz) de uma pessoa, que até mesmo o Hanzo (que é um criminoso confesso) impõe mais respeito e seria mais legal que o "honesto e humilde brasileiro negro". Pq impõe mais respeito.

      Enfim, eu acho que o problema de racismo e trocentas outras discriminações precisam de fato serem encaradas com mais afinco e vigor. Mas isso que estamos vendo está virando um circo. OK, a minoria racial negra é defendida com garras e presas por muitos lados. Mas e os asiáticos? E judeus? E índios (que aliás, são os verdadeiros brasileiros nessa bagaça toda)? Vão continuar contando apenas com a Funai que mais bate cabeça em ponta de faca q qq outra coisa?

      De resto, gostaria de reiterar tb q grandes queixas foram q "O fato de Lúcio ser negro implica q grande parte do Brasil o é, o q é uma inverdade". Sim, de fato é uma inverdade (salvo engano, entre 5 e 9% da população brasileira se diz negra). Mas, novamente, o fato de ele ser "negro" (justifico as aspas à frente) casa muito bem justamente com a ideia de "heroi de origem trágica" proposta a ele.

      Em segundo lugar, reparem bem no rosto de Lúcio. Ele não tem feições totalmente africanas. Seus lábios são mais finos do que se esperaria de um "100% negro". Ou seja, Lúcio provavelmente é na verdade um mulato ou cafuzo.

      #ChupaHaters #GameTheory

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  2. Esta é uma situação complicadíssima, e concordo com ambos. Nosso povo precisa amadurecer muito nesse sentido.

    Aproveito para lhe dar os parabéns pelo seu blog, e convidá-los a conhecer um pouco mais sobre a história de outro interessante jogo da Blizzard, Warcraft em http://war-lore.blogspot.com.br/

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