20 de abril de 2010

7th Sea - Capa, espada e aventura


Outra obra prima da AEG, e que infelizmente parece condenada ao poço infinito do esquecimento, é 7th Sea. Seu RPG foi lançado em 1998 e de lá pra cá, quase todas as notícias relacionadas à franquia pareciam ser más para seus fãs.

7th Sea visava ser, em muitos aspectos, um "primo" de L5R. Os dois usam o mesmo sistema de rolagem de dados, o Roll & Keep. À medida que L5R visava ser uma versão romantizada ao ponto de vista que melhor servisse ao RPG/CCG de um Oriente Antigo, 7th visava ser a Europa romantizada com seus nobres entretidos em duelos de esgrima, mosqueteiros defendendo a honra de reis e jovens princesas para serem salvas de parentes cruéis. Intrigas, nobreza e aventuras em alto mar no melhor estilo swashbuckler (aha! Não vou traduzir isso!) era o que o RPG oferecia, num sistema fluido, muito inteligente e com uma história... Bem, digamos, que todo mundo já ouviu em algum lugar.

Théah (um continente de clima temperado, muito semelhante, inclusive em configuração geográfica ao NOSSO Velho Mundo) é um país dividido em várias Nações menores. Muito de sua história e forças influentes remetem irremediavelmente a fatos históricos da nossa Europa. A Igreja católica Vaticina domina o poder religioso e parte do civil através da influência de seus sacerdotes. Apesar de bastante investigativa e científica, ela também é má vista pela Sociedade Secreta (sério, 7th é cheia delas, e elas têm até símbolos maneiros!) Colégio Invisível por querer guardar todo esse conhecimento apenas para si e se empenhar vigorosamente no desmantelamento de qualquer um que se oponha às suas opiniões. Um ponto de vista bastante minoritário porém renovado é o ex-padre Martin Lutero Mathias Lieber, que prega uma renovação da fé em sua Alemanha Eisen que se recupera dos danos da Guerra da Cruz. O poder da Igreja é centrado na Nação de Espanha/Portugal Castille, país regido por um rei ainda inexperiente no poder. Mas, enquanto o povo de Castille parece indefeso diante da cobiça e avareza de seus nobres, Zorro El Vago é uma heróica e quase mítica figura misteriosa que frustra seus planos na calada da noite.

Essas e muitas outras semelhanças descaradas se repetem pelo livro, mas de maneira alguma soam como plágio ou preguiça de seus designers. Muito pelo contrário, aliás. Elas são releituras muito interessantes, que visam servir melhor à narrativa, e não retratar com precisão a Europa. É muito divertido, inclusive, apontá-las e discuti-las com seus amigos na mesa.

Mas, se Rokugan não é o Japão, Théah também não é a Europa. Assim, várias licenças poéticas foram cometidas ao longo do livro que se aproxima tanto da linguagem cinematográfica do gênero "capa e espada" que os próprios créditos iniciais do livro estão na forma de um cartaz de filme. 7th é cheio de ação (e a mesma não significa apenas pancadaria). As cortes entre nações decidem acordos comerciais, políticos e alianças. Elas decidem o rumo das guerras e da História talvez muito mais do que os conflitos nos campos de batalha. Intrigas são tramadas, mentiras são contadas, e o conflito mental e social do cortesão (termo "colado" de L5R) é muito empolgante, mesmo que nenhuma espada ou pistola seja desembainhada.

O sistema de batalha lembra muito toda a rapidez e sagacidade das lutas de esgrima dramáticas de filmes como Conde de Monte Cristo (tanto o original quanto o remake), Os Três Mosqueteiros, O Boiol... Homem da Máscara de Ferro, etc. Um dos Atributos principais do personagem é o Panache (sugestões de tradução muito bem-vindas). Ele determina, neste aspecto, qtas ações um personagem pode fazer por rodada. O jogador então rola uma quantidade de dados (R&K só usa d10's). Os resultados destes dados determina em quais fases desta rodada o personagem agirá (Ex.: O personagem tem Panache 3, então seu jogador rola 3 dados. Os resultados são 1, 4 e 8. Então o personagem poderá agir nas fases 1, 4 e 8). Tirar um 1 obviamente é bom de incício, porque seu personagem agirá logo na primeira fase, porém, pode perturbar sua vida caso ele precise de um desempate. Como muitos personagens podem agir na mesma fase, a maior soma de todos os dados determina quem agirá primeiro dentro de uma fase. Pode parecer complicado, mas quando se imagina o combate, ele corre com os mesmos revides, bloqueios e esquivas ligeiros dos filmes do gênero. Muito, muito divertido mesmo.

Verdade seja dita, 7th também peca em aspectos que chegam a ser incômodos. O modo de compor o livro lembra muito o tratamento faccional dado às fraquias do WoD, e assim, tem-se a sincera impressão que as Nações se odeiam, e que é quase impossível montar um grupo muito diversificado. Apesar do título, é extremamente possível montar uma aventura sem "mar". Não só possível, como muito mais convidativo (pelo menos na minha opinião). É mais seguro para personagens iniciais, a ação política tem presença quase nula em alto mar, e personagens marítimos beiram a super-especialização nesta área. Outro ponto que chega a incomodar é que várias nações parecem severamente deslocadas dentro do ambiente. Castille e Montaigne (algo muito parecido com a França) podem ter suas rixas em muitos pontos, mas personagens dessas nações são até que parecidos (esteticamente, pelo menos). Já um Ussurra (Rússia) ou um Vendel (Escandinávia) estão arraigados demais aos esteriótipos nacionais para não serem no mínimo dissonantes com o resto. O mesmo ocorre com a pluralidade ligüística, política, cultural e monetária das várias Nações. Tudo isso chega a complicar mais do que ajudar. Afinal de contas, como Théah pode ser um só país com tudo isso no mesmo saco? Como se espera que todos esses pontos de vista nacionais tão diferentes se dêem pelo menos toleravelmente bem? Ou, melhor ainda, como o Imperador (sério, Théah tem alguém que precisa se virar pra remendar isso tudo) impõe sua autoridade em lugares afastados e diametralmente diferentes de sua Montaigne?

Fenômeno parecido também ocorre com os Clãs de L5R, mas lá ainda é possível sentir a unidade do Império de Rokugan e que a cooperação entre eles, de modo geral, supera a concorrência e picuinhas. Em Théah, esse aspecto ficou bem ausente, pelo menos na única edição do RPG. Remodelar isso num próximo livro básico seria uma prioridade, mas que a Alderac não está disposta a cumprir.

Mesmo assim, um ou outro arremate põe tudo no lugar e uma aventura memorável é questão de tempo neste maravilhoso RPG.

...

Lembra que eu disse lá em cima que todas as notícias do RPG pareciam más? Pois é. Para não ficar parafraseando o narrador de Desventuras em Série, após lançar diversos suplementos e um card game quase destinado ao fracasso natural, a AEG lançou uma adaptação do ambiente para d20. A má recepção do produto por parte dos (poucos) fãs da franquia praticamente jogou uma pá de cal em 7th Sea, que ficou desse jeito até os dias de hoje. Recentemente, porém, a mais recente grande investida da Alderac foi a estranha versão de Legend of the Burning Sands, basicamente um RPG/suplemento para os povos do deserto além de Rokugan. Pelo menos para mim, isso é um atestado de óbito para 7th. Creio que valeria muito mais reanimar um RPG genial com uma roupagem moderna (aliás, exatamente o que a editora fez com L5R, que mesmo sendo sustentado por seu card game continua sendo um RPG magistral), do que se dar ao fracasso certo de uma franquia que nunca foi nada além de um apêndice para Rokugan. Fato é, porém, que 7th Sea concorre em nicho com Freeport, embora este seja mais inclinado a aventura náuticas e exploradoras do que 7th, mais político e "mosqueteiro".

Reforço minhas opiniões de que 7th Sea é uma obra prima de RPG. Seu livro básico é bastante simples para os dias de hoje, porém suas regras são simples, diretas e objetivas. E até hoje, uma das viúvas deste RPG ainda pede uma segunda edição do RPG e uma segunda chance a Théah.

Há muita coisa de 7th Sea a ser lida, mas um livro puxa o outro e quando você vê, já leu vinte deles. Uma buscada simples no 4Shared já é um bom começo. Um projeto de tradução também se iniciou na comunidade de 7th Sea do Brasil, mas até agora (quase dois anos depois), nenhum resultado. Eu pessoalmente tenho minhas dúvidas em me dedicar ou não à tradução de 7th. Por enquanto, creio que não poderei me dedicar a esta empreitada. Aviso caso mude de idéia.

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