29 de junho de 2014

WoW e D&D: Semelhanças

Bom, pessoal, como já disse aqui em oportunidades passadas, tenho passado alguma fração do meu tempo criando conteúdo e ajudando no desenvolvimento da página do Face Girl in GAME. Sou o único poster homem lá, e é legal estar no meio de uma perspectiva mais feminina sobre nossas nerdices, e ver que no fundo, nem somos tão diferentes assim.

Enfim, demorou bem mais do que eu gostaria, mas recentemente postei pelo blog de lá (sim, temos um para posts especialmente grandes) um artigo sobre as semelhanças/inspirações/homenagens que World of Warcraft faz sobre D&D. A introdução se destina mais a quem de fato não conhece D&D tão a fundo assim. O resultado na íntegra você confere aqui:


Se você não conhece Dungeons & Dragons, nunca jogou, ou nunca leu um livro de RPG na vida, não se assuste. Isso é bem mais comum do que parece. Primeiramente, vamos a uma aulinha de história nérdica:

Os três volumes originais de O Senhor dos Anéis.
Muita coisa boa veio daqui.
Como muitos de nós sabemos, nos idos de 1950 e poucos, um distinto senhor resolveu escrever um livro que revolucionaria todo um gênero. J. R. R. Tolkien publica em 1954 a saga O Senhor dos Anéis. Uma narração épica, ambientada em sua Terra Média inspirada na mitologia nórdica, mas com alguns toques celtas e saxões, e que viria a fascinar todo um mundo por muito tempo ainda. Dali, pulamos então para a década de 70, uma época em que a juventude dos EUA se viu tomada por dois vícios: os videogames e os "wargames" (jogos de tabuleiro que eram mais baratos que os relativamente caríssimos videogames da época e por isso faziam mais sucesso para quem não era "prebói"). De modo geral, todo wargame ilustrava o combate entre exércitos rivais medievais nos mais variados cenários estratégicos e táticos possíveis. Esta época também coincidiu com a publicação americana de O Senhor dos Anéis, e tentar juntar as duas coisas era uma ideia irresistível. E foi mais ou menos por aí que Gary Gygax e seus desmioladamente inspirados amigos resolveram criar uma variante dos wargames, em que, ao invés de controlar entidades coletivas, cada jogador controlaria apenas um personagem, num cenário fortemente influenciado pelas obras do Sr. Tolkien. Surgia assim, o Chainmail, que posteriormente viria a ser chamado de "Dungeons & Dragons" (D&D) após vários retoques.

Capa da 4ª Edição de D&D
Enfim, basicamente, o universo de D&D sofreu inúmeras ampliações ao longo de já quase 40 anos. Vieram inúmeros cenários, suplementos, toneladas de livros, romances, histórias em quadrinhos, e não nos esqueçamos de uma série animada (conhecida no Brasil como "Caverna do Dragão") e três doloridos filmes. Mas, para nossos propósitos a quem nunca tenha se sentado com um bando de nerds numa mesa fingindo serem aventureiros medievais jogado D&D, me cabe dizer que D&D por si só pressupõe apenas um conjunto de regras para resoluções de ações propostas pelos jogadores, e certas pressuposições que dão o "ar medieval" da narrativa. Como a existência de magia e coisas do tipo. Dentro deste conjunto de regras, aí sim, existem os cenários já publicados, ou aqueles que seu grupo de jogadores resolver criar por conta própria.

Mas, não é (só) sobre D&D que este post fala. A questão principal é: Afinal de contas, quais inspirações dos vários mundos de D&D podemos encontrar em WoW?

Bom, isto provavelmente requereria um volume muito maior do que o socialmente aceito para um post, mas vamos a algumas que este levemente míope investigador conseguiu encontrar:

Dragões
Os Aspectos das Revoadas de WoW.
Ok, dragões são importantes pra caramba nos dois lados. Eles são o "dragons" do D&D, afinal de contas, e em WoW, eles possuem um papel importantíssimo ao dar ao mundo de Azeroth a cara que conhecemos. Mas uma das características fundamentais dos dragões de D&D está presente nas revoadas de WoW: Baforadas diferenciadas. Sim, procure o quanto quiser nas mais diferentes mitologias. Todo dragão cospe apenas fogo. Inclusive, este é um fator imprescindível para qualquer réptil místico ser considerado um dragão. Mesmo os chineses, só cospem fogo. E tanto lá quanto cá, temos várias coincidências. Dragões azuis cospem gelo; os vermelhos, fogo; e por aí vai. Porém, se WoW inova em algo neste campo, é o fato de termos dragões vermelhos bondosos. Sim, eles são vilões mais clássicos possíveis em D&D. Mas em WoW, Alextrasza é a Mãe da Vida, e a própria baforada ígnea de sua espécie é considerada um instrumento de renovação da natureza, e não simplesmente de destruição e sanguinolência.

Deuses Antigos
Devorador de Mentes de D&D. "Servido?"
Criaturas primordiais de poder inimaginável (ou assim deveriam ser, já que a maioria das raides que os contêm são praticamente soláveis hoje em dia), os Deuses Antigos estão longe de ser uma criação modernosa como D&D ou WoW. Eles se inspiram muito notavelmente nas criaturas dos Mitos de Cthulhu, um universo povoado de seres cósmicos, monstruosos e poderosíssimos do escritor H. P. Lovecraft. Em suas narrativas em que o terror espreita em cada brecha e beco sombrio, os personagens encontram vestígios e indícios desses verdadeiros deuses, cujos desígnios para a humanidade nunca são legais. Eles foram adaptados (ou influenciaram a criação de) em vários elementos dos cenários de D&D. Monstros como o Devorador de Mentes possuem grande semelhança com o próprio Cthulhu, além da própria anatomia totalmente caótica ser uma predominância em ambos. Outro detalhe, é a complexidade dos nomes desses bichos. O próprio Lovecraft devia se divertir horrores com isso. Já que ele mesmo pronunciava "Cthulhu" toda vez diferente, assim que percebia que as pessoas começavam a se acostumar com uma ou outra pronúncia.
Cthulhu, um dos terrores das profundezas de Lovecraft

Yogg-Saron, um dos Deuses Antigos.

Elfos
Elfa da Noite e Elfa Sangrenta. Só uma discussão entre amigas...
Um dos campos em que o próprio mais foi inovador no seu ramo foi na reapropriação dos elfos nórdicos e celtas. Não fosse por suas obras, ainda imaginaríamos os elfos como os diminutos ajudantes de Papai Noel. Mas, principalmente após a trilogia dos filmes inspirados nos livros tolkienianos, aparentemente todo elfo pareceu ter a cara do Orlando Bloom. Mas não é este o caso. No universo de Warcraft, os elfos se dividiram em duas raças (a priori, os Elfos da Noite e os Altos Elfos - me desculpem, mas nisto eu prefiro muito mais a tradução da Devir) por discordâncias drásticas sobre o uso da magia arcana. Os Altos Elfos posteriormente mudam o nome de sua raça para Elfos Sangrentos após a perda de sua cidade natal, Quel'Thalas e da Nascente do Sol, e, óbvio, essas duas raças são respectivas rivais diametrais na Aliança e na Horda. Mas esta história também lembra bastante os Kagonesti e Silvanesti, de Dragonlance (cenário de uma série de romances e de um puta suplemento de D&D). Embora não sejam rivais mortais, há certa rivalidade entre praticamente todas as raças élficas de Krynn (o mundo de Dragonlance).
Elfos de Dragonlance

Orcs
Se Tolkien definiu eternamente os elfos como belos, elegantes, esbeltos e lânguidos, ele também definiu eternamente os nórdicos orcs como monstruosos e brutos. Em D&D eles sempre foram uma raça de monstros, incultos, selvagens, bárbaros e brutais. Pasme, WoW inovou completamente em torná-los não apenas uma raça jogável (o máximo que seria possível em D&D seria jogar com um Meio-Orc), como também heroica. Os orcs de Azeroth (ou Draenor, vai saber) possuem toda uma história muito legal de como se tornaram corrompidos pela Legião Ardente, obrigados a atacar as terras de Kalimdor (e acabarem provocando a criação da Aliança). Para só então serem caçados quase à extinção, escravizados e posteriormente libertados com um ódio mortal por seus antigos rivais. Ao longo de quase toda a história de WoW, os principais rivais dos orcs são exatamente os humanos (vide o subtítulo do primeiro Warcraft).

Arquitetura
As ruas de Guilnéas.
Ah, este é um dos pontos mais prolíficos de comparações, teorias e tiros no escuro entre os fãs. Discussões se Guilnéas parece um ponto saído de Ravenloft perdido no meio de WoW abundam pela Internet, e com razão. A cidade parece perpetuamente tomada por um nevoeiro misterioso (uma das características registradas de Ravenloft é exatamente sua "névoa mística"). E é de lá que vêm os worgens, lobisomens que engrossam as fileiras da Aliança. O próprio fato de serem a única raça "monstruosa" no meio de uma facção inteiramente mais humanoide já aponta para gêneros de terror e mistério (ambas duas características fortíssimas numa narrativa típica de Raveloft), mas fora isso, não vejo sinceramente muitas semelhanças entre Guilnéas e o cenário de Conde Strahd. Embora o estilo de Guilnéas também seja predominantemente gótico, ele parece ter um toque mais forte também de telhados bretões, mais clássicos das construções humanas de Warcraft.

Conde Strahd von Zarovich. Personagem mais icônico
de Ravenloft.
Dada as vastas semelhanças culturais e visuais, é natural que muitos locais famosos dos cenários de D&D lembrem pontos de WoW, mas isto não significa necessariamente que uma coisa foi inspirada na outra.

Humanos
É, isso parece meio óbvio. Há humanos em (ao que consta) todos os cenários de D&D. E eles estão em WoW também. Mas... Será só isso? Eu acho que cabe um destaque aqui. Normalmente, nos cenários de D&D, os humanos são a típica raça que não dispõe de poderes místicos naturais, força pétrea ou coisas do tipo. E ainda assim, eles enfrentam os mil perigos típicos desses lugares inóspitos com um sorriso na cara e continuam pedindo por mais. Por quê? Oras, porque o jogador deste personagem (provavelmente. Afinal de contas, segundo Arquivo X, aliens também jogam D&D) é um humano. E ele quer se sentir um bonzão de vez em quando também. Já em WoW, este heroísmo até está lá em certa parte. O lore de WoW dispõe de vários personagens humanos legais como Varian Wrinn, Jaina Proudmoore, Antonidas, Arthas, Uther, Tyrion e tantos outros. Mas, principalmente em WoW, os humanos parecem compartilhar da incrível tendência de fazer merdas que suas contrapartes do mundo real. Adivinha quem "esqueceu" de lacrar as academias arcanas contra detecção da Legião Ardente? De onde surgiu o Cavaleiro da Morte que posteriormente se tornaria o segundo (e mais temido até hoje) Lich Rei? Quem saiu por aí à caça de orcs que não tinham nada a ver com seus ancestrais corrompidos e os matou por puro esporte? E de que raça era o comandante babaca da Aliança que só faltou atirar Kael'Thas e seus elfos para a Horda lá em Warcraft 3? E não nos esqueçamos também do arqui-mago que abriu o Portal Negro para os orcs invadirem... (aliás, esta história também lembra o conto de certo mago dos Mantos Vermelhos corrompido pela sede de poder de Dragonlance, não é mesmo, sr. Raistlin Magere?).

Enfim, os humanos de WoW também possuem aquele apelo heroico paladinesco do herói em armadura brilhante montado num cavalo branco que mata o dragão e salva a princesa. Mas eles são ambicioso, e cometem erros trágicos também. Mas isso é legal para nós, jogadores. Foi bem legal ver a tragédia de Arthas Menethil e sua ascensão como Cavaleiro da Morte em Warcraft 3, e posteriormente o próprio Lich Rei, na expansão.

Mantídeos/Thri-Kreen
Típico guerreiro thri-kreen. Múltiplos braços = várias armas.
Aparecendo pela primeira vez em toda a série Warcraft em Mists of Pandaria, os mantídeos são uma raça insectóide que vive principalmente em Ermo do Medo, e vivem tentando devorar as terras férteis dos mais novos companheiros de aventuras de Horda e Aliança: os fofos e roliços Pandarens.

Num cenário "pós apocalíptico" de D&D chamado Dark Sun, temos os thri-kreens. Uma raça de guerreiros insectóides curiosamente também chamada de "guerreiros louva-a-deus". Parêntese morfológico: O nome dos mantídeos vem da própria classificação taxonômica (lembra das aulas de Biologia?) dos louva-a-deuses: mantidea. E ambos seguem muito bem o estereótipo do "bicho mutante insectóide da fantasia medieval": Mentalidade fortíssima de colméia (mais liberal no caso dos mantídeos), uso de seus vários braços com várias armas ao mesmo tempo, exo-esqueleto, obediência às castas superiores, etc


___________

Bom, certamente ainda deve haver muitas outras semelhanças e inspiração entre um e outro. Mas, acho que isto dá para o gasto como um... Guia inicial.

3 comentários :

  1. Muito interessante este pergaminho.

    Os desenvolvedores do jogo Warcraft eram jogadores de AD&D na época, e por isso, há célebres homenagens ao RPG de mesa, como o rei anão Murandin e os elfos da noite.

    Mas a meu ver, o grande mérito deste jogo foi trabalhar, dentro da mitologia clássica de épicos de fantasia questões que o grande mestre Tolkien não havia abordado. Os jogadores mais antigos de world of warcraft (que se interessam na história do jogo, evidentemente) costumam dizer que o lema do cenário é: "Being a monster is a matter of actions, not of looks"; Ser um monstro é uma questão de ações, não de aparência. Nisso, temos raças "monstruosas" extremamente bem desenvolvidas, como os elfos noturnos, os orcs e os tauren (minha raça favorita neste e em todos os mundos de fantasia).

    Em termos de enredo, o jogo sofreu uma literal queda de um penhasco, que ao que parece, será revertida com a chegada de Warlords of Draenor. Mas independente disso, como já disse antes em meus Salões, WoW possui uma mitologia riquíssima, que todo jogador de RPG deveria conhecer, mesmo que apenas através de sites como a WoWpedia.

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  2. Muito obrigado, pessoal.

    Eu não consegui encontrar aqui em casa, muito provavelmente pq já vendi o livro, mas no próprio livro de cenário de Warcraft (que chegou aqui qse junto do WoW Vanilla), os próprios autores, principalmente o Samwise falam q sim, já jogaram muito D&D em suas vidas. Eu queria colocar a citação exata, mas acabei desistindo da ideia. E conhecem muito bem os apertos de manter a sanidade no castelo Ravenloft ou de simplesmente viver na Athas de Dark Sun.

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