7 de junho de 2012

Contos das Terras Longínquas: A Princesa e o Mar



Saudações, estimados visitantes!

Pessoas que leem há algum tempo os CTL podem notar que algo, ou mais precisamente alguém ficou faltando dos contos iniciais. Isso foi um pouco proposital. Na verdade, estava meio desmotivado a escrever sobre a Princesa Negra restante. Em parte por causa dos projetos paralelos do livro propriamente dito e o wargame de L5R. Falando nele, aviso que o manual está preliminarmente pronto. Se alguma coisa ainda falta, é o playtest dele pra fazer a sintonia fina. Entretanto, aviso de antemão que precisaremos testar MUITA coisa para deixar tudo de um jeito bom. Mas também imagino que ele poderá ser quase infinitamente customizável no futuro, com os próprios jogadores criando house-rules para seus próprios grupos de jogo.

Enfim, este post não é sobre Mestres do Império, e embora eu tenha trabalhado nele o dia inteiro, vamos falar da nova Tekpix! Quer dizer, de CTL.


“A princesa olha o mar,
Quão grande ele será?
O mar levou o seu amor.
Um dia ele voltará.”
- Refrão da cantiga de roda “A Princesa e o Mar”

Waleska lembra de pouca coisa da sua infância nas Ilhas do Oeste. Sua mãe lhe dissera que seu pai era um pescador, que um dia morreu no mar, quando ela ainda era pequena. Isso a entristecia muito. Ela podia ser pequena, mas podia se lembrar que as pessoas tratavam sua mãe diferente por ela não ter um marido. As outras crianças também não eram as pessoas mais gentis do mundo com a "garota sem pai". Ainda assim, o mar era uma distração maravilhosa para a pequena Waleska. Olhar as ondas baterem na praia, ouvir o seu som calava um pouco as vozes de zombaria das outras crianças. Catar conchinhas junto com sua mãe, sempre que ela podia, também era um luminoso momento de alegria em meio a densas trevas de sua vida não muito social.

Porém, se havia algumas pessoas que a tratassem de bons modos, esses eram os amigos de seu pai. Os pescadores do povo do Oeste são pessoas muito humildes e simples. Mas são sem dúvida um povo muito unido. Todos os homens com quem seu pai navegou contavam histórias incríveis de feitos de bravura, cooperação, altruísmo. De como ele já salvou embarcações inteiras praticamente sozinho, de como ele sabia ler os sinais dos mares e até mesmo coisas absurdas de como ele matou serpentes marinhas que engoliriam facilmente um navio armado apenas uma faca nos dentes. Mas, numa vila de pescadores, ninguém que não queira ser pendurado de ponta cabeça na quilha de uma navio jamais chama um pescador de mentiroso, afinal. Desses momentos, Waleska se lembra dos risos daqueles homens enrugados e enrigecidos pelo mar.

Waleska também se lembra da visita de uma nobre à vila. Ela lhe mostrou uma caixa de música. Um aparelho capaz de tocar lindas melodias através de complicados aparatos mecânicos. Ela tocava "A Princesa e o Mar", uma cantiga de roda que as crianças da vila brincavam. As duas ficaram amigas durante os poucos dias em que ela ficou em Ponta Salina. Mas ela foi embora. Deixou a caixa de música como presente a Waleska. Ela disse que poderia construir outra assim que voltasse para casa, e era muito boa nisso. O nome da menina era Kátia, da Casa Julinar. E aquele se tornou seu tesouro mais predileto. Aos olhos interioranos de Waleska, só podia ser pura magia ver a caixa se abrindo e a cena se montando da pequena princesa de metal subindo lentamente a montanha para ver o mar. Todos conheciam a história da cantiga. A princesa se apaixonara por um marinheiro, que se perdeu, e a todo pôr do sol ela subia ao mirante em busca de algum navio que voltasse para o continente. A canção não fala se o marinheiro um dia voltou. Se os dois tiveram um final feliz. Ou se a princesa um dia desistiu de esperar pelo seu amor distante. Waleska, como toda boa menina, sempre imaginou que ele um dia retornara. Assim como ela, lá no fundo, desejava que um dia seu pai voltasse.

Mas o tempo passa. Seu pai jamais voltou. E a menina se fez moça, e se mostrava extremamente habilidosa no preparo de redes, aprendeu com verdadeiros lobos do mar a ler os sinais do tempo e como velejar em segurança e atingir seus objetivos através da intrincada linguagem do senhor mar. Para ser uma marinheira completa, só lhe faltava a experiência prática, e isso, só se conseguiria numa viagem de pesca mar a dentro. E obviamente, sua mãe e qualquer pescador da ilha se negava veementemente, apesar das queixas e insistências da linda jovem de rosto salpicado e cabelos vermelhos que Waleska se tornara. Só após a morte inesperada da mãe de Waleska que um grande amigo de seu pai a acolheu em sua tripulação. O receio com a segurança da moça foi rapidamente substituído por contida admiração pelos demais homens. Waleska se mostrava cada vez mais competente ao mar, até ter herdado deste seu "tio" um navio para si própria. Tornando-se uma líder enfim para toda a comunidade, Waleska ganhou fama como navegadora masi capaz dos Mares Altos, o que chamou a atenção de ricos estudiosos interessados nas regiões mais afastadas do mundo, e no descobrimento de relíquias submersas. A ruiva rapidamente notou como essas atividades eram mais fáceis e lucrativas do que a pesca.

Foi entre um trabalho e outro desses que ela conheceu Lúcio, um jovem nobre da Casa Lissar. Uma casa menor, de fato, mas em constante ascendência graças à inovação que o próprio Lúcio trazia. E de que a própria Waleska também era grande responsável. Ele investia em melhorias da frota cada vez maior de Waleska, e ela cuidava para que esse dinheiro retornasse triplicado. Graças aos dois, muitos tesouros das eras antigas, bem antes da Primeira Guerra estavam sendo descobertos e levados a todas as academias dos quatro reinos para serem estudados. Os dois chegaram a namorar por um tempo, mas, como tudo na vida de Waleska, estava destinado a ter um fim. Lúcio fora chamado de volta ao continente. Compromissos familiares ele disse. Responsabilidades para com sua casa que requeriam sua atenção. Não demorou muito para que logo boatos corressem pelas correntes dos mares sobre o casamento do herdeiro da casa Lissar. O nome da noiva fez o coração de Waleska doer. Kátia de Julinar. Ela talvez até sugeriria que os dois fugissem como loucos apaixonados mar a dentro vivendo e morrendo em nome do amor. Mas valeria a pena arruinar a vida de sua única amiga de infância? Ela resolveu explicar esta situação para Lúcio. Ele disse simplesmente que "nobre de Harárdia algum poderia ser feliz se casando com uma plebeia". Não era essa a vida que ele gostaria de ter. Que foi bom o tempo que passaram juntos, mas aquilo estava destinado a acabar. A Honra de sua Casa o chamava, dizia ele. Enfim, aquilo era simplesmente algo destinado a acabar. Simplesmente não podia ser levado à frente. Talvez uma faca no peito de Waleska teria doído menos.

Ela ainda tentou pensar que ele estava fazendo isso para protegê-la. Que tratando-a desse jeito ele sabia que ela encontraria meios de superar e ficar mais forte. Não adiantava muito tempo. O ódio cresceu tanto que Waleska se consumiu pelo desejo de vingança. Ela então se lançou numa cruzada repleta de sangue, aço e pólvora para destruir toda a casa Lissar. Seus navios iam a pique, seus principais comandantes de navios comerciais eram mortos em cenas de puro horror deixando uma tripulação desesperada afugentar tantos quanto era possível de velejarem de novo sobre o nome da casa Lissar. Waleska nem sequer sentia o remorso de tomar algo que não era dela. Se os Lissar enriqueceram com seu esforço, aquilo era apenas uma retomada dos bens aos quais tinha direito, afinal.

Mas todo ladrão, justo ou não, sabe que um dia sua sorte chega ao fim. Lúcio não era um tolo, afinal, e assim que o "Flajelo Ruivo" se tornou um incômodo suficientemente grande para sua família, ele agiu. Uma emboscada foi montada e Waleska mordeu a isca. O assalto parecia simples, mas a situação virou antes que ela desse por si e num piscar de olhos sua nau capitânea estava cercada. Ela foi forçada a fugir com pouquíssimos sobreviventes ao único lugar em que ela saberia que não seria perseguida: Os Mares em Trevas. A versão marítima das Terras das Sombras, em que o mar era negro como a noite, a névoa cheirava a morte e de onde nenhum homem jamais voltou totalmente são. Melhor arriscar a vida num hospício do que a morte no fundo do mar.

Quando pareciam ter enfim despistado seus perseguidores, seus tripulantes imploravam para retornar aos mares seguros. Mas algo em Waleska pedia para que ela conhecesse ao menos um segredo guardado no Mar das Trevas. Foi quando o barulho dos canhões foi substituído pelo som de asas de couro. Um a um os marujos de Waleska eram lançados ao mar de onde jamais subermgiram. Mal podia se ver aqueles monstros através da névoa, mas uma voz a tranquilizou. Era um homem notoriamente estrageiro. Apesar do sotaque do sul, era possível notar que ele falava com assustadora calma. Ele pedia para falar com a capitã deste navio. Waleska se permitiu pensar como ele sabia que se tratava de uma capitã. Mas ainda assim se apresentou.

"É um prazer finalmente conhecê-la, lady Waleska dos Mares Altos." Disse o homem em trajes negros, curvando-se em reverência enquanto caminhava sobre a névoa como se fosse um piso sólido.

"Q-quem é você e o que quer? O que fez com meus homens?" Perguntou a capitã, tentando não demonstar medo, apesar do nítido horror que testemunhara.

"Meu nome é Sagariel. Já vim da Casa Mirange, mas agora... Defendo outros interesses."

"Sagariel de Mirange? O Traidor?"

"Antes de me acusar com tais alcunhas, lady Waleska, gostaria de lembrá-la que as suas também não são tão mais honrosas." O gesto plácido de Sagariel mostrava que vinha em paz. Mas do servo mais fervoroso do Deus Dragão Negro, não se podia esperar boa coisa afinal.

"Deixe-me ir. Você já tem o que quer. Não há nada de valor em minha nau."

Sagariel riu como se ouvisse uma tolice infantil. "Creio estar extremamente enganada, Flajelo dos Mares. Este navio abriga algo de muito valor para mim." Waleska olhou para ele em total confusão. Sagariel lançou-lhe um olhar mais penetrante do que o vento gélido do mar. "Você."

"Se o Deus Dragão Negro acha que pode me comprar enviando seu lacaio, ele pode esquecer. Prefiro morrer a servir à sua escória... Meu lorde." Respondeu Waleska com uma reverência satírica.

"Está enganada se acha que vim aqui diante de ti para comprar sua alma. Ou seja lá que tipo de conversa espalham sobre mim nas Ilhas do Oeste. Vim hoje para conversar com a maior capitã que os Mares do Oeste verão por séculos. Vim negociar com o Flajelo Ruivo. Mas se ela tiver coisa melhor para fazer, creio que ela poderá então tentar melhor sorte com meus dragões. Agora, se me permite..." Sagariel se virou para deixá-la. Waleska não acreditou depois que as palavras saíram da sua boca. Ainda assim, ela pediu para que ele esperasse.

"O que você quer?" Perguntou a capitã entre dentes cerrados.

"Não, minha querida. A pergunta é... O que você quer? O que poderia fazer descansar sua ganância? Seria o amor do agora senhor da casa Lissar? Claro que não. Você já o teve, e isso nunca a satisfez. Seria ser uma nobre como Kátia, para que ele se casasse com você não com ela? Ora, sejamos sinceros. Você é mais interessante, bela e com certeza melhor amante do que ela jamias será mesmo nos teus piores dias. O que poderia querer então uma mulher tão fantástica como você que já tem tudo?"

"Diga logo aonde quer chegar."

"Eu quero lhe fazer uma oferta. Quero fazer de você o que você sempre quis ser. Uma igual entre os deuses. Que todo mortal a olhe com temor e reverência, que os domínios de todos os mares sejam teus. Até que seu nome seja temido em todo canto dos quatro reinos e cercá-la de ouro e majestade que até mesmo os mais luxosos palácios de Harárdia pareçam barracos aos seus olhos. O que me diz, Princesa Negra?"

O nome veio rapidamente à mente de Waleska. Ela se lembrou das histórias. "Você quer fazer de mim uma Princesa Negra?" Waleska riu diante do Sumo Sacerdote do Deus Dragão Negro e isso quase o fascinava. "Creio estar enganado, Sagariel. Não sou nobre para poder herdar este título."

"Tem certeza, minha cara? Nunca lhe contaram sobre seu pai, não é?"

"Claro que sim. Meu pai foi Simeão de Ponta Salina. Pescador e navegante..."

A gargalhada de Sagariel foi sincera. Como há muito tempo ele já não ria. "Você realmente acreditou nisto esses anos todos? Nunca lhe contaram a verdade, não é? Então me diga, capitã Waleska... O que o senhor da casa Julinar fora fazer em sua casa junto de sua filha da sua idade? Como sua mãe repentinamente ganhou mais dinheiro para criá-la justamente após aquela visita? Por que aquela garota nobre ficou tão amiga sua? Ela era mais próxima de você do que tantas outras crianças de sua vila? Que motivos, diga-me, eles teriam para fazê-lo?"

"Aquele homem era..." Sagariel gesticulava, como se quisesse que as outras palavras saíssem da boca de Waleska. "Aquele homem era... Era... Meu pai? Oh, céus!" A cabeça de Waleska girava com a descoberta. "Tudo o que eu fiz... Deuses, eu traí minha própria irmã! Eles..."

"Eles não merecem sua confiança, Waleska. Eles esconderam de você o que você sempre quis saber. Quem você sempre quis conhecer. Lorde Bruneo hoje repousa entre os mortos. Você não pode mais conhecê-lo como seu pai. Eu lamento."

Waleska apenas chorava e gritava a plenos pulmões.

"Entendo a sua dor. Entendo a sua raiva. No entanto, se tenho o direito de te pedir algo, minha dama, é que me permita ajudá-la. Permita a nós a dar-lhe a força de que necessita para cumprir sua vingança. Que você use aquilo que eles viam em você como sua maior ambição como sua maior arma em prol de sua causa." Sagariel estendeu a mão à mulher ajoelhada e em prantos. Eles lentamente diminuíam, porém. E então Charchadrax fez de Waleska sua Princesa Negra da Ambição.

E até hoje, todo homem do mar teme e evita falar o nome de Waleska dos Mares Altos. Ou Flajelo Ruivo. Ou ainda da Senhora dos Mares Negros. No mínimo, baterão três vezes na madeira ao ouvir o nome da abominação.

Até os dias de hoje, permanece a tradição de sempre que se navega pelos Mares Altos, de se jogar uma moeda de ouro no mar. Este é o "pedágio" que os navegantes pagam na esperança de evitar a ira destruidora da capitã Waleska e sua tripulação de mortos insaciados. E qualquer navegante experiente sabe temer os nevoeiros deste mar. E até mesmo o mais bravo lobo do mar se arrepia ao ouvir o assobio feminino da cantiga "A princesa e o mar" na névoa.

_______________________

Gostei muito de escrever este conto. Nem tão "sem rede de segurança" assim, mas gostei dele dentre os demais CTL por ressaltar algo que aprendi em L5R: Base cultural.

Quase todo cenário de RPG é bem rico no aspecto mítico/teológico. A ideia de usar uma "cantiga de roda" como base para o conto foi quase acidental. Acho meio coisa de piratas ("Bebei, amigos yohow!") o entoar de uma canção deste tipo. Mas grande parte da ideia conceitual de Waleska dos Mares Altos já estava quase toda inteira. Mas admito. Foi isso que deu o gás de escrever o conto inteiro.

Pode parecer algo meio idiota, mas acho que pensamos em estruturas grandiosas ao construir nossos cenários. Pensamos em Deuses, organizações gigantescas como reinos, dinastias, países e continentes. Mas nos esquecemos que coisas pequenas, e que talvez por ser tão pequenas a ponto de se tornarem folclóricas acabam influenciando bem mais as pessoas/personagens do que as macro-estruturas. Assim, o que determinado personagem gostaria de ler? Que tipo de música ele ouviria? Quais histórias ele ouviu quando era criança? Isso pode ser muito divertido de criar também.

(Ah sim. Se alguém se dispor a compor esta canção de fato, eu ficaria muito feliz. XD)

De resto, espero que gostem. Dou por encerrada a missão "Príncipes Negros"... E que as CTL jamais morram dentro de nós.

Agora, se me permitem, uma outra princesa da casa de Mirange e seu peculiar bando requer minha atenção.

2 comentários :

  1. Que lindo e triste conto, Hayashi. Acho que esse foi um de meus favoritos. Deve ser porque adoro canções!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Astreya. Após tê-lo lido hoje, não achei tão bom assim. Acho q podia ter melhorado em alguns pontos, mas q bom q gostou.

      E obrigado tb por ser praticamente a única pessoa q ainda comenta no meu blog. XD

      Excluir

Leia Também:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...