8 de junho de 2011

Manual de Sobrevivência do Narrador RPGístico

Jó: Personagem bíblico tido como o mais paciente (acho que
Moisés foi muito mais). Assunto deste post!

 Em primeiro lugar, gostaria de revidar ao máximo a qualquer impressão de arrogância que o título deste post (talvez seção) possa emitir. Quem sou eu lá para figurar como autoridade no assunto. Como costumo dizer, se eu fosse bom tradutor, eu seria pago como qualquer zé ruela da Devir também é pago para traduzir Stargazer como "Portador da Luz Interior".


Em segundo lugar, não sei se isso vai se tornar uma seção recorrente aqui no blog. De certa forma, espero que não. Espero que este tema não precise ser muito debatido em nossas terras. Mas espero que mais tradutores possam trabalhar do jeito certo de se trabalhar com RPG: Com salário, e com direitos autorais e editoriais respeitados. Mesmo assim, acho que vale a pena escrever este post ao menos para relembrar ou tornar mais públicas certas desventuras que os percalços desta empreitada já me renderam.

Acho que a pergunta que qualquer um interessado em fazer uma primeira tradução faria é: "O que mais se precisa para se traduzir um livro de RPG?". Muitas coisas podem variar dependendo do livro propriamente dito ou do RPG. De pessoas, de programas, de um bom computador, de tempo livre... Mas uma coisa se mantém necessária constantemente: Paciência.


Não só porque o projeto em si pode custar muito tempo e esforço de digitação, para no final talvez não render tanto quanto se esperava. Mas também porque RPGista brasileiro tem um péssimo hábito: O de superestimar a SUA opinião. Sério, pode parecer bem esnobe da minha parte dizer isso, mas acontece bem mais vezes do que se imagina. Nos tempos da Hayashi no Ie isso até quem sido pouco, mas nos idos tempos de L5R 3ª, era terrível. Parecia que as pessoas tinham um talento incrível para encontrar centenas de argumentos que justificassem os seus pontos de vista. Mas os meus pareciam estar escondidos demais pelo visto. E não adianta dizer no próprio livro que as pessoas são totalmente livres para usarem os termos que acharem melhor, da maneira que acharem melhor. Meu e-mail recebia freqüentemente perguntas e alguns com dedos em riste dizendo que deveria ter feito tal coisa de tal jeito...

"Ia rolar um dado, mas dá muito trabalho. Não teria
como baixar de graça, não?"
Novamente, não querendo ser grosso, mas... Se era algo tão simples assim, porque ela mesma não fez?! Nãããão... Mais fácil é esperar o otário publicar o arquivo, pra você ir lá baixar de graça, e depois atormentar a vida dele com questões que você poderia ter resolvido sozinho, ou que talvez fossem totalmente desnecessárias se você em primeiro lugar tivesse comprado o livro original e tivesse o direito de reclamar por algo no qual se tem ao menos o direito de exigir qualidade. Mas não adianta explicar isso pras pessoas. Sempre vai aparecer alguém perguntando porque isto foi traduzido deste jeito e não do outro.

Só para constar, não é exclusividade das traduções piratas. Em Changeling: O Sonhar, muita gente reclama dos termos "lusitanos" empregados. Mesmo a Devir acrescentando uma página só para a nota dizendo que alguns termos foram mantidos em Inglês, como o próprio nome do RPG, e alguns outros como kith e kithain. Ainda assim, qualquer orkutada logo revela gente que preferia que Childling fosse traduzida como "Criança" e não como "Infante".

Como eu disse, nos tempos de L5R 3rd, a tradução que até hoje emprego para o Crane Clan causou um caos. Sim, "Crane" é literalmente traduzido como "Grou". O grou é um símbolo imperial japonês, bastante arraigado ao inconsciente popular de lá. Mas, sinceramente, EU, no meu direito de tradutor e fã(nático) pelo cenário e pelo RPG (e pelo card, mesmo ele tendo sido sacaneado pelos próprios jogadores), considerei que seria uma baita sacanagem com a imagem do Crane Clan traduzi-lo ao meu idioma natal, do qual muito me orgulho, como um monossílabo átono e "sem sal" como o decrescivo grou. Já "garça" é uma palavra mais aberta e com mais "luminosidade sonora". Mesmo havendo várias teorias da conspiração sobre os animais retratados nos mons da AEG. Aquilo lá para mim parece uma garça. E o que está no mon do Crab Clan COM CERTEZA não é um caranguejo, e sim um siri (que possuem o corpo menos esférico e mais "hidrodinâmico"). Nem por isso, ninguém reclama da tradução incorreta nesse caso... Novamente, não adianta dizer que todo jogador e Mestre pode muito bem traduzir esta palavra nas suas mesas como grou, garça ou tuiuiú, que para mim não vai fazer diferença... O número de reclamações do caso Garça/Grou só se acumula às mesmas perguntas de Ox/Touro (e não "Boi"), Mantis/Mantis (e não "Louva-a-Deus"), Void/Vácuo (e não "Vazio") e Awareness/Atenção (e não "Consciência").

Recentemente, vi uma que até me fez rir. Sobre a tradução de Scion, uma garota veio protestar quanto à tradução do termo, porque "Heréu" é uma palavra muito feia (que por sinal, me soa como um pusta desconhecimento do jargão jurídico também). E olha que nem fui eu que descobri esta palavra. Segundo ela, "Rebento" seria uma palavra muito melhor. Pessoalmente, não me soa nada heróico se dizer "Rebento(a?) de fulano" por mais divino que seja ele. Para tacar ainda mais lenha na fogueira, vejam só que o Aurélio diz sobre "rebento":

[Dev. de rebentar.]
S. m.
 1.     
Bot.  Broto (2) que dá origem a outra planta; refilho, renovo.
 2.     
V. broto (2).
 3.     
V. gema (3).
 4.     
Fig.  Filho; descendente. 
 5.     
Fig.  Fruto, produto.
Ou seja, ele só começa a falar do significado tangente ao interesse de "Scion" lá nos últimos significados. De maneira figurada. Ainda assim, nem todo "Scion" (personagem) é filho do seu próprio pai/mãe divino. Ou seja, o termo está muito mais relacionado ao fato de herdar o legado de seu pai (narrativamente e em termos de poder) do que com o fato de você ter realmente sangue divino ou não dele. Só para constar, não revidei ao argumento para evitar uma flamewar desnecessária.

Em suma, RPGista brasileiro é um povo ainda maculado pela aura da pseudo-intelectualidade e propenso a deixar-se exaltar por ela principalmente quando é indevida. Para tais, é mais divertido ficar metendo malho no trabalho de CARIDADE alheio do que trabalhar de verdade pra comprar o livro. Grande maioria de nós ainda é de pessoas que adoram tripudiar sobre qualquer coisa que considerem um erro na Internet (e pelo visto, sem a menor coragem de fazer isso diretamente), mas que não têm peito pra fazer as coisas por elas mesmas. Nisso, L5R e Scion têm algo em comum: Ambos são RPGs geniais. E até que bem conhecidos no Brasil. Mas por que não foram para frente? Porque os próprios jogadores não querem se mover, deixar seus cubículos de segurança e colocarem a mão na massa por algo que dizem gostar. Sim, fãs brasileiros de Scion. Vocês são ridículos. Os de L5R pelo menos sacanearam o card game no Brasil em benefício próprio. Vocês, conseguem ser sacanas com o RPG de vocês em prejuízo próprio.

E o que tudo isso tem haver com o suposto assunto do post? Valer uma advertência a qualquer candidato a tradutor: Esteja preparado para ver as mais descabidas críticas ao seu trabalho. Seja ele qual for. E que Deus nos dê paciência para fingir civilizadamente que o RPG ainda é melhor com essas pessoas do nosso lado.

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