2 de outubro de 2010

Contos de Rokugan e Elgalor (?): O Julgamento de Se-ru-wyn-na

A pedido do Rhorvals lá no chat, aqui está um conto "alternativo" sobre o polêmico julgamento de Selwyna, que aconteceu no blog Halls of Valhalla, do estimado Odin.

Desnecessário dizer, ele é uma versão alternativa, e não o que realmente ocorreu. O objetivo é mais mostrar o que eu tinha planejado (e felizmente foi desnecessário) para a situação. Se você quer saber o que realmente aconteceu, olhe aqui.

Por praticamente toda a rede de blogs que integramos, o fato foi comemorado. E talvez não seja demasiamente tarde para resgatar memórias felizes de nossos êxitos.

O Julgamento de Se-ru-wyn-na

O dia começou tenso. O sol nem mostrava seus primeiros raios quando os servos da corte de St. Cuberth montavam as estruturas de madeira para o julgamento e provável execução da ré na praça do castelo. Apesar de estar plenamente ciente que esses preparativos aconteceriam, Isawa Hayashi não podia deixar de sentir um aperto em seu peito. Os dias estavam se esgotando, e não havia uma mera brecha nos documentos legais e precedentes históricos que ajudassem em sua causa sem que houvesse uma chance de réplica. Cuberth era um deus de leis, e seus sacerdotes pareciam muito dedicados neste aspecto. A lei era metodicamente disposta de forma que estratégia mortalmente concebida alguma poderia ser cabalmente defletida. Sempre haveria uma segunda apelação, outra instância ao qual o caso poderia ser prolongado, até que finalmente a ré irrevogavelmente seria submetida a sua pena. Todo o esforço de dias e noites interruptos investigando a lei desta estranha terra teria sido em vão. Hayashi se permitiu alguns segundos de descanso de seus olhos enquanto suspirou. Esta era apenas a primeira parte de seu plano, mas seria extremamente conveniente que ela funcionasse. Ainda assim, sua mente e seu corpo pagavam o preço pelo cansaço de dias, e até mesmo o esforço de se erguer da cadeira da biblioteca do castelo lhe parecia exponencialmente mais custoso. O mundo parecia mais turvo que o normal, mas isso não o impediria. Não a essa altura do embate.

Do lado de fora, a situação se aquecia cada vez mais. A bruxa Selwyna era acusada pela sacra-corte de St. Cuberth de executar centenas de vidas e vários outros atos de desmedida vilania acumulados por anos. Porém, ela veio a se arrepender de seus feitos e se redimir. Posteriormente, se dedicou exaustivamente a ajudar causas bondosas, e em não raras ocasiões foi vista tentando remediar os males deste mundo, inclusive os que ela mesma causou. No entanto, para a corte judiciária de St. Cuberth, ela ainda devia pagar pelos seus crimes. E ditava sua sagrada lei que o réu de tais crimes fosse executado pela fogueira. Terras estranhas e maravilhosas certamente tinham costumes estranhos e maravilhosos. Não que execuções sumárias de criminosos fossem raras em seu saudoso Império, mas para Isawa Hayashi, havia ali algo inestimavelmente precioso a ser ganho. Se a inocência de Selwyna fosse provada, e se ela fosse redimida de seus crimes, tal ação poderia incentivar a conversão de novas almas de seus caminhos pecaminosos e as causas justas e bondosas deste mundo teria novas mãos com as quais contar. Em seu mundo, poucos foram o que receberam a chance de remissão diante da Lei Imperial, assim, era imperativo que nenhum esforço lhe fosse poupado enquanto ainda pendesse um grão de dúvida sobre o julgamento. Ele poderia descansar, assim que cumprisse com o que considerava seu Dever para com as causas que representava em seu Clã natal.

À medida que vários pontos de vista eram expostos e debatidos ao longo dos dias de custódia de Selwyna, a tensão crescia ainda mais. Os elfos, raça da qual Selwyna em parte descendia, queriam que a mesma fosse enviada de volta para suas terras, onde seria anistiada e protegida por exércitos se necessário a fim de evitar que ela não fosse executada por costumes bárbaros e retrógrados. Várias facções humanas, porém, exigiam por igual direito que a mesma pagasse as penas com a Justiça pelas centenas de vidas que tirou ou indiretamente prejudicou. Os debates se tornaram ameaças, e isso aumentava ainda mais a necessidade de encontrar a tão desejosa brecha legal que permitisse, mesmo que longinquamente a inocência de Selwyna na corte. O terceiro dia raiava, porém, e não fora este o caso.

— A primeira fase terminou, sem sucesso. — Sussurrou Hayashi para si mesmo, olhando o sol nascer pela janela do castelo. — Preciso me encontrar com Asu-th-reya.


Anoitecer do Dia do Julgamento
O dia inteiro foi tomado pela exibição e debate de todos os pontos de vista possíveis naquela situação. Apesar de notavelmente cansado, com olheiras e rosto abatido, Hayashi se punha a comentar sempre que possível sobre o papel de seu Clã no Império que deixara para trás. Falava sobre misericórdia e no recurso tático precioso que o precedente da inocência de Selwyna seria. Este argumento, ele já sabia, pouco sucesso faria aos ouvidos dos clérigos de St. Cuberth. Na verdade, ele já ficaria satisfeito se os mesmos não o ouvissem como uma blasfêmia. Também houve quem mais se exaltasse na acusação, dizendo que Selwyna deveria ser executada apenas por ser meio-elfa, uma aberração contra a pureza do sangue humano. Já se deitava o sol, porém, quando todas as partes foram ouvidas. Testemunhas interrogadas e todos os interessados proclamavam seus interesses. A escuridão crescente ameaçava tomar os olhos de Hayashi, e este, com todas as fibras de seu ser, tentava se manter acordado. Não seria ali o momento de descansar.

— A corte de St. Cuberth, — anunciou o sumo-sacerdote da ordem, que presidia o julgamento. — após ter ouvido em plenas condições de igualdade, retidão e justiça, todas as partes envolvidas no julgamento da ré Selwyna, decide — Os olhares se arregalavam por antecipação, respirações eram contidas e de certo alguns corações pareciam não mais bater nos imaginários segundos que se seguiram até o final do veredito. — que a ré é culpada, e que deverá pagar o preço legal pelos seus crimes. — Vaias surgiam, muitos não continham sua insatisfação. Muitos, mas estranhamente, Astreya e seus amigos se mantinham suspeitamente submissos à decisão. Astreya e Hayashi se olhavam, num estranho entendimento comum. — Mesmo tendo sido veementemente defendida como uma convertida e arrependida de seus horrendos feitos passados, esta corte ressalta que a lei de St. Cuberth é sagradamente inviolável. Assim sendo, como prova definitiva da conversão de Selwyna, esta deverá se oferecer de bom grado a passar pelo fogo sagrado, que apagará todos os seus pecados, purificando assim sua alma.

Acima de todos os comentários, gritos de comemoração e insatisfação, porém, o singrar do desembainhar de uma espada calou todos ali. Era Aldharon, marido de Astreya. Corriam boatos que ele teria jurado salvar Astreya por qualquer meio que lhe fosse possível, inclusive se opor às forças de St. Cuberth ali presentes e tirar sua amada à força. Muitos guardas e outros integrantes da corte e amigos do próprio casal seguraram Aldharon, que aos berros, protestava contra o veredito. Embora fossem vários contra um só homem, parecia que todos ali se esforçavam ao máximo para impedir seu esforço de aço, fúria e lágrimas, de, em desespero, tentar libertar seu amor do jugo da lei. Aldharon foi removido do pátio, porém, e mesmo que os portões do salão tivessem sido fechados após sua saída, ainda era possível ouvi-lo com moderado esforço gritando ameaças e protestos contra a decisão. Selwyna, porém, se resignava às lágrimas, e sem protestos, se ofereceu para ser amarrada ao mastro da fogueira da inquisição de St. Cuberth. Se ainda havia qualquer vestígio de dúvida da conversão de Selwyna na mente de Isawa Hayashi, porém, ele fora lavado por aquelas lágrimas. Por que ela não protesta? Por que ela não luta contra uma decisão injusta que ameaça seu antes tão precioso e ambicioso ser? Algo mudou em sua alma e os próprios algozes da corte pareciam se arrependidos ao levá-la ao madeiro. As palhas estavam aos seus pés, e por mais que lágrimas caíssem de seu rosto, isso não bastaria para impedir que as chamas a consumissem. Era hora de colocar o plano em prática novamente.

Isawa Hayashi procurou um lugar próximo da fogueira, e se ajoelhou. Com os olhos fechados, ele sussurrou o que parecia ser uma oração, incessante e contínua à medida que os algozes, sobre aplausos delirantes da acusação traziam as tochas que iniciariam a fogueira santa. Houve um rápido vento, que por pouco não apagou as tochas. Os olhos fechados aumentavam ainda mais o sono e o cansaço de Hayashi, mas não podia haver falha. Não ali e não agora. Sua prece se tornou mais fervorosa, e seus olhos se apertaram ainda mais quando a palha foi contagiada pelas chamas. Houve quem esperasse que Selwyna gritasse em dor ao ser queimada, houve quem supôs que seu forte coração não permitiria que seus inimigos se satisfizessem com seu grito de dor. Porém, apenas Astreya se permitiu um pequeno sorriso no canto de sua boca.

— O que é isso? O que esta bruxa está tramando agora? — Incitou bravamente Adolf Hirveng. — Ela zomba da execução da sacra lei de St. Cuberth com seus poderes!

— Não sou eu quem está fazendo isso! — Respondeu Selwyna, com sincera aflição e sem entender porque as chamas não lhe queimavam, e nem ela sentia o seu calor.

— Eu… Sou… — Respondeu Isawa Hayashi, se levantando, mas ainda mantendo os olhos fechados e se esforçando ao máximo para não interromper sua prece mentalmente. Em outras situações, isso seria muito mais simples, mas o cansaço de dias pesava em seus olhos e mente.

— Isawa Hayashi, Andarilho dos Cinco e Voz do Clã Fênix, — Conclamou com tronitoante voz o alto-clérigo de St. Cuberth que presidia a seção, apontando para Hayashi com sua maça. — Explique-se!

— Com o devido perdão, samá. Meu esforço para conter as chamas me impede de responder-lhe… Em minhas plenas faculdades mentais.

— Então admite estar violando a decisão em júri santo de St. Cuberth e usando magia em uma seção?

— Não estou… contrariando sua pena. Estou apenas permitindo que a ré sobreviva… à pena. Suas leis determinam que a ré passe pela fogueira. Não que ela seja queimada por ela.

O homem grisalho coçou sua barba, admirado pelo conhecimento da lei de St. Cuberth. Ao que parecia, os dias de estudo a finco não foram em vão para o shugenja.

— Mas seu uso de magia em seção constitui um crime contra nossa lei, você deve saber.

— Sim, sei. — Respondeu Hayashi, sua respiração já era ofegante, seu rosto empalidecia. — Contudo… Minha magia deriva da capacidade de conversar com os espíritos… Elementais, muito venerados em minha terra natal. Como nunca nesta terra houve outro shugenja, a prática de minha fé não pode ser interpretada… Legalmente como magia. Não ofendo sua lei em parâmetro algum, samá.

— Quer dizer que você faz com que o fogo não fira Selwyna.

— Não, samá. Apenas falo com eles… Os espíritos do fogo é que escolhem ferir ou não Se-ru-win-na.
Por estar de olhos fechados, Isawa Hayashi não sabe o que ocorreu ao certo. Ele sabe porém, que aos poucos os sons das vozes foram ficando mais distantes, e a escuridão cada vez mais profunda. Ele acordou deitado numa cama, os músculos de seu peito ardiam como se tivesse carregado um cavalo montanha acima. 

Ao olhar em volta, ele reconheceu alguns rostos.

— Bom ver que está bem, Isawa Hayashi. — Era Astreya, sentada numa cadeira ao lado da cama em que estava. Seu rosto um retrato perfeito da gentileza.

— O que aconteceu? O que aconteceu com Se-ru-wyn-na? — Hayashi perguntou apressado, tentando se levantar impetuosamente. Todo músculo de seu corpo protestou.

— Imagino que sua tosca fala imperfeita se refira a Selwyna. Bom, ela está bem. Não fosse minha pontual intervenção, porém, todo o seu esforço teria sido em vão, shugenja. — Era Aramil. Ele mal tirou os olhos de seu livro de feitiços numa escrivaninha para se referir a Hayashi. Aparentemente, isso era mais interessante que o estado de saúde do shugenja.

— Então ela está bem? — Hayashi voltava com calma a se deitar.

— Sim, ela está. Seu plano funcionou muito bem, Hayashi.

— Bem? — Protestou Aramil, fechando de súbito o seu grimório. — O homem quase se mata se dedicando a um esforço mental hercúleo, depois se lança numa campanha argumentativa suicida contra as autoridades do tribunal, e quase é executado sumariamente em plena seção. Não fosse sua idéia idiota, Astreya, de eu ir invisível até a fogueira e teleportar Selwyna em segurança, o tribunal não teria tempo de refletir sobre a decisão de pena mais branda a ela. Agora me diga, barda! O que há de “bem” nesta idéia descabida?

— Se-ru-wyn-na foi inocentada? — Perguntou Hayashi.

— Não, Hayashi. Ela cumprirá uma pena alternativa, porém, sob a supervisão dos clérigos de St. Cuberth, ajudando os familiares das pessoas que matou. Ela disse que ficará muito ocupada, mas que nos visitará sempre que possível. Ela e Aldharon também são muito gratos pelo seu esforço ousado diante da corte. Selwyna disse que não esperava pela sua intervenção, sendo um estrangeiro em nossas terras, mas todos vimos como seu esforço foi vital para que acabasse assim.

— Então ela está viva?

— Sim, claro que está.

— Então o plano acabou bem. — Respondeu Hayashi, com um sorriso satisfeito. Estivesse de olhos abertos, talvez ele visse a zanga insatisfeita de Aramil.

Houve um bater na porta, e Astreya pediu que Selwyna e Aldharon entrassem. Eles agradeceram a Hayashi pelo esforço, embora ele protestasse em aparecer diante de uma mulher casada com o peito desnudo. Aldharon, porém, se disse em dívida para com Hayashi, e que poderia contar com sua espada sempre que precisasse.

— Os dois serão felizes juntos?

O casal se entreolhou e estranhou a pergunta. — Claro que seremos, — respondeu Selwyna.

— Ótimo. Este é todo o pagamento que preciso receber dos dois.


Poslúdio
— Você fez muito bem, Isawa Hayashi.

 — Quem é você? E por que fala à minha mente?

Um riso satírico.

— Não me reconhece mais? O tempo nesta terra de bárbaros o fez esquecer de como é uma voz perfeitamente afinada?

— Diga logo o que quer e suma, ser imundo.

— E isso é modo de falar com seu irmão? Não estrague este momento feliz com grosserias, Hayashi.

— Você não é mais meu irmão! Você é a negação de tudo aquilo que a Fênix representa!

— Ah, mas é claro que você é muito melhor nisso que eu. Você leva a voz da paz àqueles em necessidade dela. E eu vim aqui apenas parabenizá-lo.

— Não preciso de sua aprovação.

— Eu faço questão. Graças a você, nossa aceitação nesta terra será muito maior! Eles não conhecem nossa magia. Não sabem como se defender dela! Graças a você, agora Selwyna está viva, e ela será uma ferramenta muito valiosa para os planos que o Lorde Negro tem para esta nova terra.

— Você não ousará…

— É claro que ousarei, meu irmão. Está no meu sangue.
Isawa Hayashi acordou arfando como se tivesse se afogando no próprio suor. Ele tinha motivos para estar preocupado.

4 comentários :

  1. Como diria o tio nitro, ficou "doidimais"! Parabéns Hayashi, ficou muito bem escrito. E valeu por me fazer lembrar daquela semana angustiante de argumentos e apelos nos halls do amigo Odin.

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  2. Relendo agora, me parece q me esqueci de atentar à parte em q aviso Astreya dos planos. A ação de Aramil na verdade, teria sido recomendação minha. Tipo, Isawa Hayashi provavelmente tb teria condições de teleportar a Astreya dali pra outro lugar, mas isso seria uma contrariedade óbvia e descabida demais ao sistema legal vigente (modificador de Honra alto é um problema nessas horas). Mas, alguém q não se importasse tanto com isso, pelo menos com uma amiga a um passo da fogueira, como a Astreya, certamente convenceria o elfo mago disso. Nem q fosse com torturosas seções de pagode e música axé baiana durante o descanso noturno dele. Pois é. Bardos são cruéis qdo querem.

    E sinceras desculpas se meu personagem ficou "super-herói" demais. Realmente o conto não faz justiça a todo mundo q lutou lindamente em conjunto pela Selwyna.

    Bom, é isso. Foi um conto apressado, mas q mesmo assim, considerei muito bom. Hoje foi um dia inspirado, eu acho. E muito obrigado ao Clérigo e ao Rhorvals, que "warlordmente" cantou essa pedra pra mim. XD

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  3. Argggggggggggh!
    Fizeste de novo!
    Cade o resto? Quem é esse irmão? Como ele entra na cabeça de Isawa Hayashi?

    Quando achava que a historia ia terminar com um final feliz e previsível( nem por isso menos esperado) eis que surge a revira volta...

    Tadam!

    Deixando os leitores no suspense.
    Ficou faltando o Não percam nos próximos capítulos.


    Parabéns!
    Ficou muito bom!

    XD

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  4. Realmente, a história ficou muito boa, talentoso escaldo do Império Esmeralda.

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