1 de setembro de 2011

Conto "A Agência": Relatório de Caso 001A>Rachel McLiran


Saudações cordiais a todos que adentram novamente a Hayashi no Ie. Se está é sua primeira vez aqui, então tudo bem. Fique à vontade também.

Bom, antes de mais nada, acho que seria legal falar um pouco sobre essa tal de "A Agência", que foi meio que sugerida aqui no post anterior, mas acho que ninguém deu trela. Mas na esperança de mostrar que a HnI ainda tem lenha pra queimar, e não vive só de tradução pirata (embora às vezes até mesmo eu ache isso de vez em quando), resolvi adaptar o que originalmente seria um roteiro para uma história em quadrinhos que nunca veio a ser concretizada numa narrativa mais própria para cá.

Adianto que as dificuldades serão várias. Para começar, porque ela foi escrita originalmente como um roteiro técnico. O texto visava dar ao desenhista uma visão do que deveria aparecer na cena, e se centra muito nos diálogos. Espero ter dado conta desses problemas. Outro problema é o assunto do qual A Agência trata. Basicamente, ele é um roteiro sobre um conceito mais ou menos difundido na ficção, mas que realmente anda meio fora de moda esses dias: Tecnomancia. Confesso que estou longe de ser um especialista no assunto, mas, se for para improvisar uma explicação, eu diria que é o pressuposto de que magia e tecnologia não são linguagens concorrentes ou que uma anularia a outra. Em algumas vertentes desta teoria, magia e tecnologia chegam a ser até mesmo a mesma coisa. É neste contexto que esta história se inicia. Com vários segredos e mistérios a serem descobertos. E uma morte. O que nos leva às consequências diretas desta tão importante morte.

Item do Diário do Kriffen Horadar Filodor, à 83ª lua do inverno do 45º ano do reinado da Dinastia El-Dyras.
“Ontem mesmo já corriam boatos na Agência sobre o desaparecimento do humano conhecido como Lucian McLiran, presidente da YggdraCom. Assim como seu real emprego, o conhecimento do nome deste magnata tecnológico é mantido cuidadosamente afastado dos ouvidos do grande povo humano.

Sempre me perguntei como os humanos conseguiam viver ignorantes sobre as reais verdades do Universo. Como conseguiam tão tranqüilamente lidar com suas breves e fúteis vidas, acordando, comendo, procriando e morrendo como se isso fosse realmente importante frente aos reais perigos lá fora.


Para que nada de catastroficamente mau aconteça a essa desfavorecida raça, existe a Agência. Controlando as gotas que eles mungem do poço fulgurante da ‘Magia’, impedimos que eles se auto-destruam levando nosso Mundo inteiro com eles. Hoje, porém, isso tudo corre sério risco de mudar.

Um dos principais órgãos para isso era a própria YggdraCom, e agora que seu principal líder foi encontrado morto por causas ainda não elucidadas, a Agência perde um vital instrumento em sua principal tarefa de hermético equilíbrio universal. As ordens do Alto Conselho foram claras. O cargo precisa ser substituído e eu fui escolhido para convocar o sucessor da ordem natural deste reinado.

Mal consigo conter meu eufemismo pela insatisfação do inglório desígnio de colocar uma rapariga alienada num posto de tamanha importância.”


O som da campainha da casa das McLiran despertou Rachel de seu ingênuo sono no sofá da sala. Ela havia chegado do colégio, e se esticou confortavelmente apesar do clima nublado enquanto esperava sua mãe chegar. Talvez fosse ela, que esqueceu a chave. Ao olhar ainda sonolenta pelo olho mágico, porém, o sono a abandonou completamente. Eram dois homens em finos ternos pretos e óculos escuros. O mais alto tinha cabelos louros lisos, penteados e amarrados para trás. O outro era um asiático de cabelo curto e arrepiado. Rachel rapidamente ajeitou sua roupa, arrumou ao que podia fazer com suas mãos seu cabelo ruivo e esfregou um pouco os olhos verdes, para tentar parecer séria.

Ao abrir a porta, o homem alto e esguio iniciou: "Com licença, senhorita. Somos os agentes Harold Flint e Wang Fei Hok da Inteligência Nacional. Podemos falar com Rachel McLiran?" Ambos mostraram a ela documentos de agentes. Parecia até um filme. Rachel tentou não mostrar nervosismo.

“C-Claro. Bom, eu sou Rachel McLiran. O que eu fiz para o serviço secreto vir até a minha casa?”

“A senhorita, nada. Mas gostaríamos de conversar a respeito de seus familiares mais próximos.” Ele ajeitou os óculos, mas deixou transparecer aguçados olhos claros. Talvez azuis.

“Minha mãe ainda está para chegar. Os senhores vão querer esperá-la?”

“Creio não ser necessário. Precisamos conversar com a senhorita.”

Os três adentraram a casa, Harold caminhou calmamente até o centro da sala, observando cada detalhe. Wang pareceu ficar mais à vontade de pé perto da porta. Rachel tinha as mãos junto ao peito, e tentava não aparentar que todo aquele mistério a sufocava.

“Srta. McLiran, você mora sozinha aqui com sua mãe, correto?” Perguntou o elegante Harold.

Rachel elevou suas mãos à boca com um suspiro. “Oh, meu Deus! Não me digam que ela fez algo errado! Gente, ela tem saído com uns caras, mas o que quer que ele tenha feito minha mãe é inocente, eu juro!…”

“Fique calma, senhorita. Sua mãe não fez nada de errado. Mas é estranho que não haja fotos de seu pai em lugar algum da casa.”

“Meu pai morreu logo depois de eu nascer, de acidente de carro. Depois eu e minha mãe saímos de Nova Iorque e nos mudamos para cá.”

Harold olhou para Wang, que se manteve pétreo. Foi Harold quem prosseguiu: “Entendo. Srta. McLiran, além disso, o que você sabe sobre seu pai?”

“Vocês estão aqui por causa dele, não é?” Perguntou Rachel, cruzando os braços, e levantando uma sobrancelha, no mais audacioso tom de desconfiança.

“Sim, precisamos colher o máximo de informações recentes a respeito de Lucian McLiran.”

“Olha, meu pai morreu há décadas atrás. Não há informações recentes sobre ele. Isso é tudo.”

Wang finalmente mostrou não ser um robô, e se interpôs entre os dois antes que qualquer um pudesse dizer qualquer outra coisa, “Srta. McLiran, de maneira alguma queremos ser desrespeitosos a respeito de qualquer coisa que a sua mãe tenha lhe contado, mas, seu pai desapareceu anteontem, e estamos procurando seu paradeiro.”

“O quê?! Olha, se ele está vivo ou morto, pouco importa! Não sei de nada sobre ele nem quero saber! Ele morreu e ponto.”

Harold pareceu reagir mal ao tom da garota, “O que sua mãe lhe contou é uma mentira nós temos provas de que…”

Wang interrompe novamente, dessa vez sua mão aberta estava sobre o peito de seu companheiro. “Harold, já basta. A moça já está transtornada demais ela não cooperará assim.” Ele se virou para Rachel e disse, “Perdoe-nos, Srta. McLiran. Não a procuraremos mais. Obrigado pela sua colaboração.”

Rachel estava nitidamente transtornada. “Tudo bem. Só vão embora, sim. Me deixem em paz.”

Ao saírem, e ouvir o som da porta de madeira se fechando com força, com toda a força que aqueles frágeis braços podiam, Harold comenta para seu amigo, “Eu disse que essa não era uma boa idéia.”

***
Anoiteceu, e como em toda noite de sexta, Rachel estava ansiosa para encontrar com seus amigos e juntos largarem um pouco todo o cansaço e stress da vida estudantil neste promissor fim de semana. Ela havia combinado de ir junto com mais uma amiga e dois amigos no carro de um deles até o Centro para... Fazer qualquer coisa. Talvez pegarem um cinema. Era estranho de repente sair em algo que mais parecia um encontro de dois casais, mas o próprio pensamento era risível. Sim, o Michael era até bonitinho, mas... Outros pensamentos vieram à sua mente.

Aqueles homens pareciam saber do que falavam. Eram agentes do governo, e gente assim por uma cidade pequena dessas é algo super estranho. E se eles estiverem certos? E se meu pai estiver por aí?

Deixa disso, Rachel. Seu pai morreu. E se esteve vivo esse tempo todo, nunca deu a mínima pra você ou à mamãe. Em qualquer que seja a encrenca que ele tiver se metido, ele mereceu.

Relaxa. Não deixa isso estragar essa noite! O Michael já deve estar te esperando.

RACHEL desceu as escadas que dão para os quartos, já vestida para sair. Sua mãe parecia estar ocupada pelo relance que viu ao correr até a porta. “Mãe, já estou saindo. Tudo bem?”

“Tudo, filha. Se cuida, juízo. Te amo.”

A jovem pára à porta, como que se lembrando de algo. “Mãe, esqueci de te contar. Uns homens do governo estiveram aqui mais cedo. Queriam saber do papai. Você imagina por que?”

Sua mãe “Hm. Claro que não. De repente eles podem estar investigando alguma coisa do Cold Case.”

“Sem graça. Eu não sou tão velha assim. Tchau, e eu também te amo.”

Ela atravessa o quintal e a calçada com a elegância da idade. Tal qual previra, Michael, Lisa e Ross já estavam esperando no carro ainda ligado. “Rachel! Vam’bora!” Ela sorri e abre a porta do veículo. Esta seria uma noite perfeita.

Longe de tudo isso, duas figuras vestidas de elegantes tecidos pretos e brancos observavam a tudo em silêncio para não serem notadas. “E lá se vai nossa inconseqüente princesa.”
“Horadar, não precisa ser tão duro com ela. Ela não faz idéia de como é o mundo real.”

“Isso é óbvio, Wang. Mas para que nosso insano mundo sobreviva, é imperativo que ela assuma seu papel.”

“Para o bem dela, Harold,” disse Wang num tom zombeteiro, isso não é escolha sua.”

***
“E aí, Rach? Fiquei sabendo que o imposto de renda bateu na tua porta hoje cedo…” Perguntou Michael. Sutil como sempre. Meninos... Lisa e Ross pareciam estar dando uns amassos no banco de trás, e para que ela não ficasse envergonhada, ele resolveu puxar assunto.

“Não eram do imposto de renda, bobo. E como você ficou sabendo?”

“Cidade pequena.”

O assunto pareceu chamar mais a atenção de Ross, que ainda abraçado com Lisa, comentou, “Ih, tu tá encrencada com os Homens de Preto, então, Rachel? Descobriram que você é um ET?”

“Não, não é nada disso. Provavelmente deve ser um federal retardado que errou o endereço.”

Agora, até Lisa se interessava. “Hm. E o que eles queriam?”

“Ah, nada demais. Eles só queriam saber do meu pai.”

Tudo aconteceu meio bem de repente mesmo. Ninguém estava olhando para onde deveria. Foi quando Michael resolveu perguntar: “Mas seu pai não tinha…” E Lisa gritou estridentemente: “CUIDADO!”

À frente do carro, estava uma figura envolta num manto roxo. No meio da estrada mesmo, como que se tivesse sido plantado no meio do asfalto. Ele levantou uma das mãos, como quem levanta uma bola de tênis, e como que em resposta, o carro onde estavam se levantou num arco sobre o homem. Em poucos segundos que pareceram correr em câmera lenta, o veículo foi se inclinando para frente em sua trajetória, até cair com os faróis diretamente sobre o asfalto. O som dos gritos de desespero, da música e de metal e vidro se quebrando e se partindo só não ensurdeceu Rachel porque ela desmaiou antes.

O homem no meio da estrada caminhou com placidez até o carro destroçado, e arrancou uma das portas retorcidas com a mesma facilidade de quem tira um band-aid. “Sim, eu sinto seu cheiro, concubina tecnomante! O infecto sangue dos McLiran abrasa meu olfato!”

Rachel pareceu sussurrar por socorro, semi-consciente. Não que alguém fosse ouvir.

“Você não deve morrer, tecnomante. Não ainda. Traidora, meretriz!” O homem tinha um rosto pálido e enrugado, dentes amarelados apareciam por trás de um sorriso sádico e escasso cabelo branco. Ele retirou de dentro de seu traje uma faca de lâmina curva. O metal parecia estranhamente vermelho. “Regozije-se, Mestre Daskliorah! Saboreie do sangue desta vadia que lhe ofereço em humilde sacrifício!”

Houve um som seco e surdo, e o homem caiu para o seu lado direito. Atrás dele, Wang segurava um cano de metal. “Os adoradores de Daskliorah continuam falando demais e fazendo de menos.”

O alto homem louro de terno correu em socorro de Rachel, estendida sobre o asfalto deserto. “Ela sofreu um choque muito forte, Wang. Precisamos tirá-la daqui.”

“E os outros?”

“Já chamei uma de nossas ambulâncias. Eles ficarão bem, mas ela precisa de cuidados urgentes.”

“Não ainda, cães do inferno!” O velho envolto em trajes ritualísticos tinha agora uma listra de sangue jorrando entre os olhos. E mais estranho ainda era o fato de ele não parecer se incomodar com isso. Ele continuou seu discurso, “Não sairão vivos da fúria de Daskliorah. Pelos poderes do que tudo vê, dá-me mãos que façam sofrer ao injusto!” Em resposta à sua 'prece', surgiram vultos disformes ao redor dos agentes. Gradualmente, eles se moldaram à forma e semelhança daquele que os convocou para lá.

“Wang, não posso cuidar dela aqui, preciso de um portal.” Lembrou Horadar.

“Faça a ligação para um lugar próximo. Eu ganho o seu tempo.”

Horadar pegou um palm, digita rapidamente alguma coisa, e desapareceu juntamente com Rachel num clarão esverdeado.

Rindo-se da nítida vantagem numérica, e vendo que seus 'clones' também estavam armados com sua adaga ritual, o velho aconselhou, “Deveria ter ido junto de seu amigo covarde, tecnomante. Está em número muito menor.”

Wang permitiu-se um leve riso. “Você está errado quanto a duas coisas, capacho de Daskliorah. Horadar não é covarde. E você é que está em menor número.” Ele chuta a face uma das cópias, que cai com o queixo destruído, estremecendo e tentando em vão conter o sangue a dor. “Vinte contra cinco.”

***

As coisas definitivamente não estavam saindo como o previsto. Primeiro aqueles caras perguntando do seu pai. E depois o acidente do carro. Deus, como é possível doer tantas partes do corpo ao mesmo tempo, pensava Rachel. Foi então que ela ouviu uma voz dizendo: “Não deveria se levantar tão rápido. Sua recuperação foi excelente, mas ainda deve sentir tonturas ou dores de cabeça.”

A jovem se levantou assustada, estranhando o soturno depósito vazio onde estava. Ela não se lembrava como chegou ali. “Onde estou? O que aconteceu com os outros? Eu só lembro de… Ai, minha cabeça.”

Horadar veio até ela e a amparou: “Eu avisei. Você tem um talento incrível em não me ouvir, não é?”

Só então Rachel nota os intrincados desenhos feitos com giz no chão onde estava deitada. “O que é isso? O que exatamente está acontecendo?”

Horadar suspira e revira os olhos. Após sentar a moça no chão, ele mesmo se ajoelha para ficar à altura dela. “A Srta. me pede para dar à sua mente frívola tamanho volume de informação que provavelmente a explodiria ainda no início da história. Mas ainda assim, tentarei ser breve. De certa forma, eu e o ‘agente’ Wang trabalhamos para o seu pai. Em alguma… Como é mesmo a palavra… Filial dele por aqui. Só que de repente, ele sumiu, e o cargo dele deve ser ocupado em sua ausência.”

 “Mas meu pai…”

“É claro, morreu pouco depois de você nascer. É natural que sua mãe tenha se ressentido por ele ter negado a vocês duas todo o império financeiro da YggdraCom. Acredite, Srta., não foi isso que aconteceu.”

“O que é a HidraCon?”

Horadar não conteve sua decepção: “Deuses. YggdraCom. Yggdra, de Yggdrasil. O que ensinam nas escolas hoje?”

Rachel disfarçou seu total desinteresse na semântica, “Nunca ouvi falar dessa empresa.”

“Colocando de um modo que consiga entender, trabalhamos com desenvolvimento de tecnologia. Sabe, pessoas super-inteligentes dando suor e lágrimas para você ter um celular da moda.”

“Meu Deus!” Rachel repentinamente se lembrou. “O carro do Michael! O que aconteceu com meus amigos?”

“Wang está cuidando deles, e do causador do acidente também, aliás. Não se preocupe com eles. Ficarão bem.”

“Agora eu me lembro. O que era aquele cara? O carro pareceu ter voado por cima dele.”

“Ele não pareceu ter voado. Ele voou por cima dele. Gravitação em movimento regular. Truque bastante simples para um feiticeiro de parca experiência.”

“Feiticeiro? Peraí, você está me dizendo que o que aquele cara fez foi magia?”

“Deveras óbvio, não?”

“Mas esse negócio de magia… Sei lá, não existe, não é?”

“E o que você supõe que tenha ocorrido então? Que aquele reumático senhor de idade tenha preparado toneladas de cabos de aço na estrada e acionado um mecanismo de plataformas hidráulicas para meramente jogar um carro qualquer para cima justamente e vocês deram o azar de passarem por ali?”

“Péra, as coisas estão indo rápido demais… Então aquele cara na estrada era um mago?”

“Não, um usuário de poderes mágicos vindos de acordos com forças sinistras não é um mago, é um canalizador. Mas sim, ele é um usuário de magia, se é o que quer dizer.”

“Achei que trabalhassem com tecnologia.”

“Hm,” Horadar recuou um pouco, quase assustado, “Salto de raciocínio interessante. Na verdade, menina, trabalhamos com segredos. ‘Magia’ é algo que não existe há muito tempo, mas a humanidade aprendeu a acessá-la por meios mais seguros. Traduzimos homeopaticamente segredos arcanos na forma de tecnologia, para que possam acessar seu poder sem destruir um continente inteiro por acidente, como já fizeram, aliás.”

“Espera, uma coisa não deveria eliminar a outra? Sabe, magia e tecnologia não combinam, não é?”

“Arthur C. Clarke disse certa vez que tecnologia suficientemente avançada não se diferencia de magia. Não se preocupe com os detalhes. Não entenderá isso rapidamente.”

“Hm. Tá bem. Mais três coisas:” Disse Rachel, contando nos dedos. “O que são essas coisas no chão? Como vim parar aqui? E onde meu pai entra nisso tudo?”

“Runas celtas para canalizar energias curativas. Feitiço bastante útil, inclusive. O que nos trouxe até aqui foi até bem mais simples. Digamos que seja uma perspectiva bastante ignorante assumir que telefones consigam carregar apenas dados e sons, e não matéria. E, bom, a posição do seu pai nisso tudo era a de intermediar esses dois mundos.”

 “Tem como explicar melhor?”

“A YggdraCom desenvolveu várias inovações nos campos da tecnologia, comunicações e transporte de dados. Isso é o que qualquer empresário laico do seu mundo saberia. O que é difícil de vocês crerem é na origem de todas essas maravilhas.”

“Me deixa adivinhar: magia?”

“Conclusão aplausível, Srta.” Horadar até mesmo pareceu bater palmas. Mas sua lentidão no gesto ainda pareceu uma zombaria. “Sim, seu pai era nosso principal ‘diplomata’, transformando segredos mágicos em formas seguras de uso pela grande população humana da Terra.”

“Meu pai? Um empresário milionário? Mas por que ele nunca entrou em contato com a gente? Por que ele nunca quis saber de mim ou da mamãe?”

O telefone de Horadar tocou, ele parou a conversa subitamente para ver quem era.

“É Wang.” Ele atende o telefone. “Sim, estamos bem. Coordenadas Apolo, Hórus, Odin, 9460.”

Assim que Horadar desliga e põe o telefone em seu paletó, Wang se teleporta para a sala, na mesma luz esverdeada que trouxera Rachel até aqui.

O que mesmo assim não a impediu de retrair-se, assustada, “C-Como você fez isso?”

Wang olhou para Horadar, como que pergutando-o se ela já sabia apenas pelo olhar. Horadar assentiu, e Wang por fim respondeu: “Tecnomancia.”

“Tec- o quê?”

“A forma ‘segura’ de uso da magia que mencionei. A combinação perfeita de magia com o que você levianamente conhece como tecnologia.”

Wang então se vira para Horadar e diz, “Os amigos de Rachel estão em boas mãos. Conversei com o socorro e eles disseram que ficarão bem. O adorador de Daskliorah não teve a mesma sorte.”

“Ótimo. Precisamos relatar à Agência o mais rápido possível. Rachel deverá ir conosco.”

“Isso não é uma violação do códex? Sabe, mesmo sendo McLiran, ela ainda é laica.”

“Encontraremos brechas na lei mais tarde. É imperativo que ela assuma o lugar do pai.”

“Mas ela já sabe do cargo, das incumbências e principalmente dos riscos que isso tudo acarreta?”

“Os riscos a ela não são nada comparados aos danos que o equilíbrio pode sofrer. Ela é apenas uma menina fútil e alienada com as reais verdades. Podemos nos preocupar com o bem estar dela depois.”

“Não seria melhor…”

Rachel já estava ficando zonza com a quantidade coisas que não entendia, ela estapeou o chão com força, e sua voz pareceu até mesmo estremecer as paredes do depósito. “Parem de falar sobre mim como se eu não estivesse aqui! Em nome de McLiran, eu ordeno que os dois me digam do que estão balbuciando como velhas lavadeiras!”

Wang e Horadar se entreolharam, assustados e admirados.

 Wang, ainda sorrindo, tenta esclarecer o que houve, “Ora, os dons do velho McLiran falam alto em você, jovem.”

Rachel pareceu continuar sem entender, “Como assim?”

 “Céus, você não conhece o legado de sua família? E Horadar não lhe disse nada a respeito nesse tempo todo?”

Em sua defesa, Horadar advoga, “Mal tive tempo de explicar à nossa fútil rapariga sobre as estruturas básicas do próprio mundo.”

“Entendo.” Wang então se vira para Rachel: “Bom, Rachel. Você nunca teve curiosidade de saber sobre o próprio passado? As origens de seu sobrenome, por exemplo.”

“Bom, sei que ele é irlandês, mas não sei muito além disso.”

 “Já é um começo. Os McLiran eram um clã da Antiga Irlanda, destemidos guerreiros que enfrentaram as hostes fomorianas ao lado dos Tuatha dé Dannan. Destemidos, ferozes e líderes naturais, eles tinham como símbolo e brasão seu animal correspondente ao seu desempenho em batalha: o leão. Ao longo das gerações, e dos séculos que se passaram até hoje, muitos descendentes dos McLiran exerceram posições de destaque, liderança e poder. Do mesmo modo que os primeiros integrantes do clã da Irlanda.”

 “Isso faz de mim uma líder natural mágica super-poderosa?” Perguntou Rachel, talvez começando a entender tamanha loucura sem sentido.

“Não.” Responde Wang categoricamente. O que era estranho era que apesar da resposta curta, ele pareceu mais gentil que Horadar. “Assim como qualquer dom mágico hereditário, você precisa aprender a canalizar e usá-lo sabiamente. Ele estava muito presente em seu pai, que era capaz de comandar ações empresariais com o mesmo fulgor que algum comandante antepassado dele dava ordens a tropas. Você tem o dom da liderança, passado a muitos dos homens e mulheres McLiran.”

 “Tá bom, então esses Highlanders de saiote tinham poderes mágicos?”

“Difícil dizer se a liderança era um dom natural, e sua passagem hereditária se dava por meios mágicos, ou o contrário. Mas, se quer algo para ficar pensando nas próximas semanas: não existem leões naturalmente na Irlanda.”

Rachel pareceu um pouco surpresa pelo argumento. Mas antes que ponderasse mais, Horadar continuou com a cachoeira de informações: “De qualquer forma, Srta., seu dom é extremamente necessário para manter o equilíbrio das forças mágicas presentes no seu mundo. É para isso que precisamos que você assuma a presidência da YggdraCom.”

“Deixa ver se eu entendi: Vocês querem que eu impeça que o império milionário do safado do meu pai afunde porque só eu tenho a mesma baboseira de poder mágico dele?”

Horadar não aguentou e esbravejou a plenos pulmões algo ininteligível: “Kitaras lamaniri! Criança petulante! A empresa do seu pai era uma fachada para algo que impede seu mundo inteiro de voltar a uma Idade das Trevas nas mãos de gente como o homem que colocou seus amigos num hospital!”

Ainda sentada no chão, Rachel abriu os braços, “Mas entendam o meu lado também! Passei minha vida toda sem saber nada sobre meu pai. Agora vocês me dizem que ele é milionário e nunca ajudou ou quis saber como eu e a mulher que ele engravidou estavam. Eu quero mais é que a empresa e tudo mais dele se lasquem!”

“Você não entendeu, não é? Ele estava te protegendo dos tentáculos de gente como os cultos a Daskliorah.”

“Das- quem? Aquele cara na estrada disse esse nome.”

Wang explicou, “Daskliorah é uma criatura das Trevas Primordiais. Ele possui servos que discordam do nosso uso da magia nos dias de hoje. Eles acreditam que todo o poder deve ser acumulado apenas por este ser maligno chamado Daskliorah, e não acessado por qualquer um, como sugere a tecnomancia.”

“Mas eles me queriam viva, não é?”

Wang pensou e respondeu, “Não exatamente. Felizmente, aquele cultista cometeu a tolice de querer oferecê-la em sacrifício ao seu ‘deus’. Isso nos deu tempo para agir. O pessoal do socorro médico também me deu essas fotos.” Wang espalha fotos de acidentes e assassinatos aos pés de Rachel.

Horadar pareceu surpreso, “Esses são...?”

Wang nem esperou a pergunta para responder, “Outros McLiran espalhados em diversos locais do mundo. Com o desaparecimento de Lucian, os servos de Daskliorah começaram a agir. Eles sabiam que procuraríamos seus herdeiros naturais.”

“Nossa! Eles mataram essas pessoas simplesmente por serem parentes do meu pai?”

“Vindo deste culto fanático, fizeram pouco em apenas matá-los. Minhas condolências, Srta.”

“Minha mãe então corre risco?”
Wang pôs uma mão debaixo do queixo, pensando, “Apesar de não possuir sangue McLiran, talvez ela corra risco por ser uma pessoa próxima a você, ao que me consta, a única McLiran viva. Assim que amanhecer, pedirei para a Agência ficar protegê-la se quiser.”

“Wang, ela não é importante para nós. Não é uma McLiran.”

Rachel se levantou subitamente. Dessa vez, a tontura e a dor não pareceram incomodá-la. “Alto lá, Harold. Horadar. Seja lá qual for o seu nome. Ela é minha mãe, e se eu sou importante pra vocês, então ela também é. Wang, por favor, ficaria agradecida se garantisse que ela ficasse bem.”

Wang abriu um fino sorriso, e seu olhar para Horadar pareceu levemente satírico. “Será providenciado. Então creio que estamos de acordo em levá-la para a YggdraCom para conhecer melhor o legado de seu pai?”

“Sim, vou com vocês assim que me despedir dela pela manhã. Se me dão licença, senhores, preciso me recolher dos impactos de hoje. Ficaria grata se me deixassem só no que reivindico como meus aposentos.”

Os dois saem da sala enquanto Rachel fecha a porta. Do lado de fora, Horadar fica nitidamente ofendido. “Humpf. Ainda nem assumiu seus deveres e já nos dá ordens…”
“Líderes naturais, lembra? Podemos confiar nela?”

“Demos o primeiro passo confiando nela primeiro. Vamos ver como ela se sai amanhã.”

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