28 de fevereiro de 2012

Brasil: Um Cenário Possível?

Sim, estou escrevendo hoje para falar um pouco mais sobre o "Anauê!". Só que dessa vez, sem falar do projeto em si.

Basicamente, meu objetivo é discutir a viabilidade de criar um cenário para RPG com nosso país. Será que dá certo? Ficaria bom? Faria sucesso?



Em primeiro lugar, acho que vale a pena perguntar: "O que seria um bom cenário de RPG?". Se seguirmos a linha cassariana de exame deste caso, o item preliminar é óbvio: Ter problemas para serem resolvidos nele. Que dinâmica se instaurará para que a narrativa seja interessante e agradável de ser ouvida? Bem, se você é brasileiro, você já sabe. Problemas aqui é o que não faltam. Temos pobreza, abismo social, desemprego, corrupção dos governantes, desastres naturais e vira e mexe alguma crise econômica. Ok, temos os vilões. E agora, fazemos o que com eles? Melhor ainda: Como solucionamos esses problemas? Se você continua sendo o brasileiro da pergunta anterior, a resposta também é óbvia: Não de um jeito simples. Remediar a pobreza requeriria, no mínimo, uma quase extinção da corrupção governamental, o que possibilitaria uma melhor distribuição de renda. Parece simples? Nem de longe. Supondo que os políticos brasileiros sejam inatamente maus e gananciosos, mudar o panorama político requeriria ou uma intervenção quase messiânica, ou uma conscientização súbita e quase paranormal dos eleitores. E isso é o que temos apenas nos campo político...

Também é uma sociedade onde, de um jeito ou de outro, a criminalidade já se tornou um fator habitual. Não apenas nas grandes metrópoles como Rio de Janeiro ou São Paulo, mas se olharmos até mesmo para o interiorzão do país, veremos coisas medonhas e ironicamente retrógradas, como voto de cabresto e escravidão campesina. Eu ia falar também sobre escravidão no telemarketing, mas deixa pra lá.

Ou seja, se formos colocar herois num contexto desses, é melhor ou setorizar de que tipo esta narrativa será (contra que problema os herois lutarão), ou realmente se preparar para uma narrativa quase cirúrgica. Qualquer exagero pode ser fatal, e acabar causando mais mal do que bem. Quer ver um exemplo? Vamos supor que tenham um Super-Robin Hood no Brasil. Ok, ele realmente consegue roubar das imensas quantidades de propina política e desviá-las para instituições de caridade. O povo o adoraria? Claro que não. Porque a imprensa rapidamente cuidaria de fazer dele um terrorista a ser caçado, e "descobriria" várias irregularidades nessas instituições. Ou seja, o mal aqui não tem uma face, ou sequer é mapeável precisamente.

Somos então o povo da desesperança? Sentenciados a ver tudo quanto fizermos para nos salvar dar errado? O pior é que não. Apesar de tudo, somos brasileiros e como diz o comercial, não desistimos nunca. Continuamos sendo o povo que saúda os gringos de sorrisos e braços abertos, e samba no pé. Isso nos torna otários? Não. Quer dizer que apesar de tudo isso que sofremos, temos a força para fazer o impensável: Seguir em frente sorrindo. Independente se o céu está caindo nas nossas cabeças ou não. Nossa força não está nas conquistas sanguinárias dos nórdicos, no pseudo-messianismo americano, ou sequer na aristocracia européia. Ainda assim, somos um pouco de cada um disso. E algo mais.

Uma das coisas primordiais sobre qualquer gênero narrativo são os itens que constituem sua identidade. É fácil reconhecer influências tolkienianas em cenários medievais, por exemplo, ou o tom lovecraftiano no terror moderno. Mas o que qualificaria um cenário como "brasileiro"? Nisso, nos esquecemos que temos sim uma cultura ancestral bem rica e fantástica, mas que anda esquecida para a maioria. Trabalhar no "Projeto Anauê!" tem me aberto bastante os olhos para isso. Nos EUA, embora eles tenham comido a grande maioria dos índios deles com curry, a memória pré-colombiana é forte ao tentarem se expressarem como americanos natos. Aqui, nem tanto. Mas ao ver como nossos índios pensavam, talvez muitos outros vejam, assim como eu, que não caímos muito longe dessa árvore.

Insatisfeitos com isso, ainda temos praticamente toda e qualquer cultura do mundo por aqui. Seja dos atabaques africanos, dos nipônicos da Liberdade, ou dos italianos e portugueses por todo o resto do Brasil, sem se esquecer, no entanto, dos índios nas regiões ainda indomadas do país

Enfim, não quero adiantar muito sobre o andamento do projeto em si, mas fato é, que vocês ainda deve esperar por algo heroico, que espero que consiga tocar a alma de muitas pessoas, tal qual tem tocado a minha. Pode ser que "Anauê!" nem acabe virando um cenário para Scion tal qual era previsto, mas, mesmo assim, tem prometido muita coisa.

Posso adiantar que o drama dos Nhanderú cerca a mística de retornar à Terra Sem Males, os tempos da Única Tribo. Para isso, lutando contra as forças dos malignos servos de Pamba'e, o Titã da Ambição. É uma luta quase impossível de ser vencida. Mas quem disse que seria fácil? É uma guerra dos oprimidos contra opressores. De ignorados contra ignorantes. E se isso te faz se identificar ou se interessar pelo projeto em si, então junte-se. E solte o grito de "Anauê!".

4 comentários :

  1. ANAUÊ!

    Eu gostei muito da ideia! Fiquei muito interessado em ler sobre scion depois de conhecer sobre um projeto de adaptação no Brasil.

    Eu acho que nosso país é muito rico como ambientação. Volta e meia uso ele para jogos de falkenstein (em uma versão do cenário que adaptei para o Brasil) e antigo mundo das trevas (vampiro, lobisomem e changeling). A magia e o fantástico em um cenário tão familiar tornam a experiência de jogo muito legal! (Principalmente se você narrar em sua própria cidade. Eu moro em brasília e aqui tem muuuitos lugares legais para esconder criaturas fantásticas =])

    Parabéns pelo projeto Hayashi, espero poder vê-lo florescer aqui em seu blog! (se eu puder ajudar em alguma coisa, conte comigo!)

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    1. O assunto é tão vasto, q nem pensei nesse assunto, Elriolt. Realmente, acho q qq Narrador do OWoD já adaptou sua cidade para o RPG. Aqui em Juiz de Fora realmente não faltam referências super-clichê nas aventuras ao Morro do Cristo, ou ao Colégio Academia de Comércio. Também ao ler o Dresden Files, dá pra pegar MUITOS macetes de "Como Fazer de sua Cidade um Cenário de RPG".

      Essa pegada q eu chamo de "fantástico cotidiano", tão presente em Changeling: O Sonhar, Harry Potter, Dresden Files, e praticamente qq coisa q o Neil Gaiman escreva é qse certeza de sucesso e apreciação.

      Ainda não comecei a escrever sobre o "cenário Brasil" propriamente dito em grande parte por medo do tamanho da responsabilidade, visto q o Brasil é um país de proporções imensas e diversidades inacreditáveis também. Mas é claro q, como o lar de nossa capital federal, o Centro Oeste deverá ser representado. O Serrado é uma região de folclore riquíssimo, e quero trabalhar isso tão bem qto merece. Ou seja, esperem uma grande demora por causa disso.

      Ademais, é bom saber q o projeto ainda tem gente apoiando.

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  2. Existem dois livros que me foram muito úteis (além do Wikipédia, é claro =]) para pesquisar sobre os mitos e coisas fantásticas do brasil: Dicionário do Folclore Brasileiro (Do Luís da Câmara Cascudo) e As melhores histórias da mitologia brasileira (que se eu não me engano é da Carmen Seganfredo).
    Estou querendo apresentar o cenário para uns amigos e já estou lendo as duas traduções que você fez para poder aprender o sistema (é impressão minha ou ele se parece bastante com exalted?).

    Uma pergunta que eu tenho: Você pretende trabalhar separadamente cada mito de cada região do país (isso seria um trabalho imenso!) ou inicialmente trabalhar apenas com os mais famosos mitos brasileiros?

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    1. Bom, na verdade, o sistema >É< o de Exalted (Storytelling Adventure System).

      Sobre o Cascudo, algo legal: Tive aulas na faculdade com o maior especialista sobre a obra dele no Brasil, Sr. Gilberto Felisberto Vasconcelos (sim, o nome dele rima). Deu pra pegar muita coisa por lá, mas, dada uma das peculiaridades do ambiente de Scion, não devo me ater muito aos livros. Sim, ando lendo bastante, mas colocar os mitos brasileiros apenas tal qual eles eram simplesmente não é bem aquilo que Scion faz de legal. Assim, Uirapuru ganhou uma versão moderna, as iaras deixaram de ser substantivo próprio e se tornaram uma raça, e tb podemos contar com uma presença bem insular dos romances indianistas de José de Alencar. Calma, não é a Iracema. XD

      No final das contas, acho q essa parte ficou bem no esquema do Fábulas do Bill Willingham, dando roupagens modernas a lendas antigas. E não é exatamente isso q Scion faz?

      Outras criaturas, porém, como o mapinguari, provavelmente vão figurar apenas como crias de Titãs mesmo (basicamente: monstros pros jogadores matarem). E sim, estou pegando de início apenas um apanhado superficial do folclore brasileiro. Basicamente pq não sei se o Anauê vai realmente ser um projeto pelo qual valha a pena esse esforço todo.

      Qto ao download, só o livro básico já é o q basta para jogar. Ler o "Livro do Narrador" é até legal. As regras de Destino Selado estão lá, afinal, mas grande parte é apenas opcional. De resto, acho q só traduzi os suplementos de panteões oficiais (Tuatha dá Dannan e Burocracia Celestial). Ambos muito bons, mas tb opcionais.

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