Essa palavra quase sempre anda em voga quando o assunto é RPG. Principalmente se tratando de gêneros medievais. As razões para tal são naturalmente óbvias: D&D, o mais fantástico medieval dos fantásticos medievais é originário do épico tolkieniano. Que por sua vez bebe de vários épicos clássicos e míticos como as Eddas nórdicas, além de literatura e mitologia europeia de modo geral. Mas, afinal de contas, o que torna algo épico? E o que o épico pode trazer de legal para nossas mesas?
Não perca, nesta sexta
no Globo Repórter. Digo, na Hayashi no Ie.
A primeira fonte em que penso para buscar informação é óbvia, o Aurélio. E para ele,
épico é:
[Do gr.
epikós, pelo lat.
epicu.]
Adj.
1. Respeitante à epopéia e aos heróis.
2. Digno de epopéia.
3. Fam. Fora do comum; incomum, extraordinário, homérico.
O primeiro item dá uma ótima referência. O gênero textual epopeia (agora sem acento por causa da reforma) se refere primordialmente à exaltação de um povo e os feitos de seus personagens mais célebres. É o caso da Eneida, da Odisseia e até mesmo dos Lusíadas de Camões. Ou seja, epopeia, de uma forma ou de outra, exalta herois. E o que qualifica um heroi como tal? Bom, as respostas para essa pergunta são inúmeras, e todas elas estão certas. Principalmente pelo conceito de "heroi" ser subordinado à visão ética de cada povo e/ou indivíduo, o que pode gerar aquela sensação que às vezes temos de que os herois de um são os vilões de outros.
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"Viva! Cumprimos a missão diplomática! Êêêêêêêêêêê!" |
Em D&D isso talvez ocorra mais vezes do que pensamos. Um bando de orcs rapta a princesa. Os aventureiros interessados na recompensa, ação, glória, virtude ou talvez um olhar mais lânguido da donzela se apressam em entrar pelo território dos orcs degolando e matando geral. Por fim, após um sofrido combate contra o líder do bando, eles finalmente resgatam a princesa e levam para a segurança do castelo. E todos viveram felizes para sempre... Menos os orcs. Que tiveram seus melhores guerreiros dizimados e agora passarão o resto do inverno mal tendo como se defender das ameaças. Sim, eles queriam negociar com o rei, pai da dita princesa. Mas realmente lhes falta o tino político, higiene pessoal e paciência civil para sequer conseguirem passar da guarda dos portões sem serem fuzilados pelos guardas. Raptar a princesa acabou sendo o último recurso de párias desesperados. E até teria dado certo se não fossem "Esses moleques intrometidos e seu cachorro nojento".
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Esse cara é mau, tem uma maquiagem sinistra, luta como um ninja e tem... Sucrilhos na cabeça. Aquilo na mão dele é um sabre duplo? |
Já cheguei a falar
aqui sobre as diferenças entre a narrativa heroica ocidental e oriental, e isso é apenas a ponta do iceberg. Mas o que quero realmente dizer, é que, se o conceito de heroico é variável, então assim também é o conceito de épico. Para nós, ocidentais e basicamente cristãos, o heroi é aquele que se destaca dentre a massa para fazer aquilo que ninguém (ou quase ninguém) faz ou faria. Ele é Édipo vencendo a esfinge em enigma e em combate. Ele é Odisseu triunfando contra tudo aquilo que Posseidon joga sobre ele. Ele é o Batman ou o Superman enfrentando alguma ameaça que poderia destruir o planeta ou o universo. Ele é o Capitão Nascimento, mostrando que fibra e caráter ainda servem pra alguma coisa por mais que seu ambiente esteja corrompido. Assim, suponho portanto que o épico deva ser algo raro. Ou pelo menos moderadamente raro. Na trilogia original de Star Wars, ficamos surpresos ao ver Luke Skywalker aprender a ser Jedi. Por quê? Porque somos apresentados ali toda a mística fantástica que isso envolve, os ensinamentos de Yoda, as lutas de sabre de luz contra Vader. Na segunda trilogia, esse ar de maravilha diminui. Primeiramente, porque já vimos o que é um Jedi várias vezes. Em segundo, porque, por se passar numa época em que os Jedi não são raros assim, não impressiona tanto ver alguém usar a Força ou fazer maravilhas com um sabre de luz.
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Síndrome, de Os Incríveis. "Se todos são épicos, então ninguém é". |
Acho que é neste ponto que muita gente não gostou de D&D 4ª Edição, mas que nunca vi ser manifesto. Eles tentaram democratizar o épico. Tornar as maravilhas de D&D mais acessíveis a "qualquer um". Poderes maravilhosos, acrobacias estonteantes, magias super pirotécnicas estavam lá para quem as quisessem desde o primeiro nível. Para serem usadas em todo encontro que aparecesse até o fim dos dias... Foi uma ideia bem intencionada, mas mal executada. Pelo menos o "épico" não ficou estupidamente banal. Sim, ser um mago ou um guerreiro, mesmo de primeiro nível o distanciava muito de um "pacato cidadão" caminhando pela rua. Mas pelo menos não se via tantos aventureiros pés rapados assim como nas edições anteriores.
Isso quer dizer que todo personagem de qualquer RPG dito épico deveria se destacar entre os demais? Ou pelo menos sobressair do cenário que o cerca? Eu diria que não. Pelo menos não exclusivamente. O heroi não precisa ser
necessária e estritamente o cara que é um semideus tornado carne. Se há uma coisa que a narrativa mangá/anime dos anos 90 ensinou ao Ocidente (e que Stan Lee já tentara ensinar antes), é que herois com defeitos e demais humanidades podem ser ser legais.
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"Repete comigo, zero meia: Épico: do grego épikos, do latim epicu, em inglês, epic, em espanhol, épico, em aramaico..." |
O que nos leva então para uma esfera altamente pessoal, relativa e subjetiva. O épico, para mim, é aquilo que, de alguma forma, nos eleva o espírito. É humanamente impossível ler Senhor dos Aneis e não se sentir empolgado pela batalha de Helm, ou torcer pelos dramas de Frodo, Arwen e tantos outros; o épico está também na admiração pela bravura do Rei Leônidas em 300 de Esparta; em se comover ao ver Scott Pilgrim lutar pelo direito de namorar Ramona em paz.
Enfim, acabei não fugindo muito do conceito aureliano de épico. Qualquer coisa que seja digna de ser retratada e relembrada de maneira gloriosa após ter ocorrido, sinceramente me soa como épica. Ou seja, raramente o épico RPGístico acontecerá como tal, planejado como tal. Sim, isso pode até ocorrer, mas a consumação dele como épico é realmente o fato de nos lembrarmos depois dele com aquela sensação agradável. A admiração por ter feito algo que, mesmo que não saibamos bem explicar como, foi
épico, e nada mais.
Texto épico!
ResponderExcluirGostei principalmente da observação de que se todos são épicos, ninguém é...
Legal, gostei muito do texto. Ele me ajudou a entender melhor porque eu mesma gosto de coisas épicas!
ResponderExcluirObrigados muito atrasados a ambos.
ResponderExcluirBom saber q gostaram do texto. Mas é um tema bem vasto, e difícil de se trabalhar. Realmente ele merece mais esmero ou talvez um post 2... O q não deve acontecer tão cedo tb...