Bom, primeiramente, este post visa também ser publicado no blog dO Clérigo (sim, também estarei integrando esporadicamente o time de reforços do Clérigo).
Como estou bem longe de ser mencionado como qualquer espécie de autoridade no ramo de narração, história ou RPG mais "D&D"estico, aproveitei uma passada inspirada pelo Book of the Void de L5R 4th para meio que falar a respeito das principais diferenças entre os gêneros narrativos oriental e o que normalmente vemos nas narrativas ocidentais.
Segundo meu conterrâneo Murillo Mendes, "O Oriente mítico é muito mais interessante que o real.", frase dita por ele depois de conhecer o Japão e a China da sua época pessoalmente. Assim sendo, é muito importante ressaltar que pelo menos para gêneros narrativos fictícios, obras obviamente fictícias, como os contos de fadas e folclóricos de cada cultura devem ser levados em grande consideração também, afinal de contas, eles são influência e influenciam determinada cultura tanto quanto ou por vezes até mais do que fatos históricos reais.
Jet Lee, no papel de Wong Fei-Hung. Na China Antiga, corrupção governamental lhe rendia umas pancadas! |
Issun Boshi, o Pequeno Samurai (um análogo nipônico do Pequeno Polegar europeu), defende a princesa a que fora designado, e apesar de seu tamanho, derrota um ogro/Oni que muitos samurais de tamanho humano não puderam. Mas ele também é visto em outros contos (e num filme, inclusive, conhecido no Brasil exatamente como O Pequeno Samurai [se tiverem oportunidade, ASSISTAM! Vale muito a pena!]) como um defensor dos rios, da natureza e visa fazer com que os humanos à sua volta aprendam com ela a serem cada vez melhores.
Itto Ogami e seu filho, Daigoro, de Lobo Solitário. "Se ajustar ao sistema ou fazer o que minha cultura ancestral diz que é o certo?" |
Outra diferença está no assunto normalmente centrado em ambas as narrativas. À medida que os heróis ocidentais muitas das vezes enfrentam males gigantescos, aos quais a plebe comum não podiam resistir (Esfinge, Golias, Lobo Mau, Medusa, o Leão de Medéia ou Sauron), os heróis orientais, principalmente na literatura, enfrentam dilemas morais e empasses éticos. Tá, vez ou outra aparece algum monstro, mas isso nós já estamos cansados de ver. Os romances samurais ilustram vários indivíduos tendo que escolher entre as ordens de seus superiores e seu senso pessoal de justiça geram toda a angústia, o que pode gerar uma impressionante (porém muito estranha para nós, ocidentais) idéia de narração interior, no qual o herói simplesmente medita sobre as essas questões, pesando valores, lições de moral e o que aprendeu até aqui.
E se for pra apontar algo em que ambas as visões discordam veementemente, que tal falarmos de sentimentos? Normalmente, toda a cultura ocidental prega o final feliz através do poder remissor do amor. "O amor a tudo conquista", afinal de contas. Porém, o amor para a maioria dos heróis orientais é outro motivo de dilema. Wong Fei-Hung se via indeciso em como demonstrar seu amor pela sua esposa em alguns momentos engraçados da cinematografia do mito. E a visão "Bushidô" sobre a questão prega que o amor, assim como tudo na vida de um samurai, deve ser usado para o bem de seu senhor e de sua sociedade. Assim, você deve amar sua esposa, seja ela quem seu senhor achar melhor, e tratá-la e respeitá-la com dignidade.
Em suma, grande parte da visão mais "história de samurai" se concentra principalmente em exigir perfeição completa de um ser humano comum, que jamais a alcançará, mas que continua ansiando por ela mesmo assim. Seja filosófica (tentando entender o sentido da vida ou a importância de cada indivíduo no panorama geral das coisas), marcial (tentando dominar a esgrima e a estratégia completamente) ou sentimentalmente (guardando seus sentimentos para quem seu senhor achar melhor. Odiando quem ele diz que tem que odiar e amando quem ele diz que tem que amar), o samurai típico visa dar exemplo para que sua sociedade inspire em seu sacrifício e esforço para tornar o mundo um lugar cada vez melhor.
Tá, e o que todo esse tijolo de post tem haver com RPG? Bom, nem todo segmento da arte narrativa concorda com isso, mas muitos diriam que vivemos numa sociedade que já viu tudo, enfrentou tudo, sobreviveu a tudo e que o mundo se torna cada vez mais um lugar mais chato de se viver. Não há mais nada para ser criado, pensado ou inventado. No máximo alguém vez ou outra tem uma idéia de misturar algumas coisas e dar a impressão de que criou algo novo e revolucinário (Matrix). Então por que não usarmos essas fontes diferentes de estrutura narrativa em algo que crê-se já ter se esgotado como a originalidade dentro dos RPGs de fantasia medieval? Ao invés do já gasto "Grupo que se encontra na Taberna para ir resgatar a princesa porque o rei mandou", por que não montar o grupo como uma "sociedade de pessoas que visa o bem, a justiça, liberdade e conscientização em meio a uma sociedade corrompida"? Não que sair por aí degolando monstros que raptam princesas seja fácil, mas se buscamos originalidade, acho que dar uma buscada em outras fontes uma conclusão lógica. De repente o religioso milagreiro peregrino que vaga fazendo o bem sem olhar a quem, e se nega a lucrar com isso seja mais interessante do que o nobre clérigo ordenado pela sua igreja para estraçalhar a fé rival. Ou de repente o guerreiro do grupo não precise ser aquele amontoado de músculos e PV's, mas também uma pessoa preocupada com a repercussão de seus eventos terão nas gerações futuras, e assim não se negue a passar um tempo com as crianças no vilarejo ensinando que ser um guerreiro aventureiro é legal, mas que todo trabalho é igualmente importante, e que se os orcs malvados não tivessem matado sua família (isso SEMPRE acontece!), ele adoraria tê-los por perto em vários momentos de sua vida. E por aí vai.
Muito bom cara.
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