Quando se fala de mangá no Brasil, vários nomes podem ser remetidos a esse estilo artístico. Denise Akemi, Eddie van Fue (perdão se escrevi o nome errado), Julio Shimamoto, Mozart Couto (meu conterrâneo) e até mesmo Marcelo Cassaro pode ser ligado a esse estilo pelo trabalho-mór que fizeram no cenário do RPG Tormenta, Holy Avenger. Mas, creio eu, uma das maiores injustiças da história é não reconhecer o "Tezuka" brasileiro que foi Claudio Seto.
Célebre por heroicamente introduzir histórias em quadrinhos de samurais, ninjas e outras niponices num mercado até então dominado pelas influências européias e americanas de quadrinhos, Seto normalmente é vítima do gravíssimo erro histórico, ao ser acusado de imitar em suas obras mais adultas a temática e estética visual de Lobo Solitário (da dupla de deuses Kazuo Koike e Goseki Kojima), publicado no Japão em setembro 1970 (suas obras de "O Samurai" já haviam sido lançadas em coletânea em 1968).
Confesso que me interessei pelo trabalho de Seto por acidente. Se prestarem atenção, verão que usei um de seus quadrinhos em um post lá trás (sobre o estilo narrativo oriental). A partir daquela imagem, retratando uma cavalaria samurai em furiosa investida, procurei mais sobre o autor, e o que descobri tem me feito pesquisar a respeito dele até hoje.
Analisando criticamente, o trabalho de Seto se passa por admirável mesmo para os padrões atuais. Conscientemente ou não, ele parece escolher o que cada estilo anterior a ele tinha de melhor, e os combina magistralmente em suas histórias. A sensualidade feminina da pop-art, os personagens posados do quadrinho europeu e uma dramaticidade e tendência à tragédia catártica digna de Shakespeare. Tudo isso, como não podia deixar de ser, ambientado num Japão Feudal, hora histórico, hora fantástico. As histórias de Seto raramente repetem personagens, e quase sempre são fechadas em si.
A arte talvez possa ser vista hoje como um pouco relapsa e pouco atraente num universo inteiramente ultra-realista como o que parecemos ter hoje em dia. Mesmo assim, eu gosto bastante deste estilo mais geometrizado e estilizado quase à estética nishiki-e (caracterizada pela simplicidade do traço, buscando a simplificação máxima da forma, ansiando descrever tudo o que pretende com apenas um só traço). Aliás, essa mesma geometrização colabora ainda mais para as insinuações das curvas dos corpos femininos de Seto (segundo a La Rousse, um desenhista que domine as formas do corpo feminino, está apto a desenhar à mão livre qualquer outra coisa). Poieticamente, também pode-se associar essa geometrização a um caráter mais frio e racional de seus personagens, normalmente heróis que se sacrificarão e sofrerão bastante ao longo da narrativa. Sempre em nanquim preto chapado, o que aliás, difere do traço de Lobo Solitário, que usava aguadas. Além de cenas de combate muito complexas, detalhadas e uma ação sangrenta de dar inveja a Tarantino algumas vezes. Também não pude deixar de notar uma incrível semelhança nos quadros da primeira história (O Sósia) com o primeiro volume de "Samurai", do também brasileiro Luke Ross. Não posso dizer se houve inspiração proposital ou se trata de uma evolução paralela. Mesmo assim, uma notável semelhança e pelo menos um fraco indício de que a obra de Seto ainda permanece por aí.
Uma das coisas que achei mais irônica da história da obra de Seto, porém, foi o fato de ele ter sido prejudicado pela ditadura. A única história que consta na coletânea que pretendo falar (Flores Manchadas de Sangue; Devir e Jacarandá) que tange mesmo que de bem longe a ditadura brasileira, foi "Idealismo Frustrado", que na verdade não critica a ditadura, e sim os movimentos revolucionários que custaram a vida de seu amigo, um ativista político. Seto expressa certo descontentamento e decepção com os ideais de Lamarca, responsável pela morte por fuzilamento do amigo seu, ligado ao movimento. O que me soa bem raro, aliás, é alguém criticar o tido como heróico movimento "anti-ditadura" do Brasil, retratado normalmente como jovens idealistas e puros, cheios de valores de justiça, liberdade e igualdade, e não como vândalos, drogados ou de conduta moral subversiva (de modo geral, creio que ambas as versões sejam visões verdadeiras do mesmo objeto). Imagino, porém, que a editora de Seto tenha sido afetada indiretamente, com seus títulos principais fechados pela ditadura, a própria editora não teria conseguido se sustentar. Fato é, porém, que após tendo até mesmo seu selo próprio fechado também, Seto passou a trabalhar como ilustrador de conteúdos sobre o folclore japonês e como chargista.
Enfim, "Flores Manchades de Sangue" reúne cinco histórias (cada uma delas associada a um dos Cinco Elementos representam as etapas para o crescimento do guerreiro rumo à iluminação intelectual e à maestria marcial) escolhidas pelo próprio Seto. O formato é bem grande, e permite uma visualização agradável, além de contar com notas adicionais do editor e do próprio autor sobre cada uma das histórias.
Por não conseguir achar esta coletânea em nenhum dos meus locais de compra casuais, como a Conclave, encomendei-a pela Moonshadows, por R$ 36,95, contando com o frete. Não consigo mais encontrar o produto no site da MS, porém. É bem provável que tenha se esgotado por lá, e que reabasteçam em breve. Também creio ser bastante provável encontrá-lo em outras lojas (virtuais ou não) do Brasil.
Claudio Seto, o primeiro samurai do Brasil, infelizmente nos deixou em 2008. Embora eu tivesse sabido da notícia na ocasião, acho que só hoje entendo o buraco que se abriu na História do quadrinho brasileiro com sua morte. Espero um dia me esforçar para ser um décimo do artista que ele foi.
Chuji "Claudio" Seto Takeguma. 1944-2008. Uma vida heróica, uma morte tranqüila. O que mais pode desejar um samurai? |
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