10 de julho de 2010

Contos de Rokugan (parte 2): Vento Vermelho

Galera, a segunda parte dos "Contos de Rokugan".

Nela, dois batedores do Clã Unicórnio se lançam numa intrépida missão de reconhecimento em terras hostis.

Ainda não sei até quando vou prosseguir com os contos, mas enquanto não tenho idéias para o PoL, vamos nos divertindo com Rokugan mesmo.


Contos de Rokugan (Parte 2): Vento Vermelho
O Clã Leão sempre ostentou com muito orgulho o título de Mão Direita do Imperador. De ser o mais poderoso exército a serviço do trono capaz de levar sua força e justiça a qualquer recanto do mundo. Na opinião de Shinjo Kien-li, o Leão se orgulhava em excesso. Sim, a perícia de seus soldados era inegável. Todos os que Kien-li conhecera eram excelentes guerreiros e pessoas muito dignas e organizadas. Os estrategistas e comandantes Akodo possuíam talentos na guerra que poderiam virar qualquer adversidade a seu favor. Isto, é claro, além do Clã estar munido da maior Família de bushis do Império, os Matsu, que também não devem ser menosprezados individualmente. Mas, acima de tudo, Kien-li percebera que o Clã Leão era tão certo de seus métodos serem os mais corretos possíveis que se restringiram a eles com a mesma precisão da migração das aves. Eles se tornaram previsíveis, e isso era algo de que Kien-li se aproveitava. O outono marcava uma estação de decrescente chance de se lançar um exército. Só um tolo, dizia a convenção rokugani, lançaria um ataque no inverno. Por isso, todos os Clãs diminuíam bastante seu contingente militar. E mesmo quase sem todo o contingente militar espalhado pelas suas terras, havia muitos soldados do Clã Leão vigiando suas fronteiras.

Muitos crêem até hoje que o Clã Unicórnio seja formado por bárbaros estrangeiros que não entendem os refinos e sutilezas da cultura rokugani. Que eles abnegaram toda essa excelência em troca de costumes odiosos e desleais. Talvez essa fosse um juízo justo décadas atrás. Mas não hoje. O Khan aprendera a estudar um inimigo, e para que toda a informação pudesse ser devidamente obtida por fontes confiáveis, por total mérito próprio do Unicórnio, Kien-li e vários outros batedores foram enviados para investigar o Clã Leão. Kien-li estava alheia aos reais motivos e ambições que tenham levado o Khan a planejar o ataque. Talvez fosse apenas para provar o poderio militar do Clã Unicórnio diante do poderoso Leão. Talvez ele estivesse apenas se precavendo. Estudando rotas que o Leão mais prováveis que o Leão pudesse tomar no caso de um ataque inusitado. Qualquer que fosse o motivo, isso pouco importava para Kien-li. Ela tinha uma missão, e faria o reconhecimento do território designado a ela nem que entregasse seu relatório escrito com o próprio sangue aos pés do Khan moribunda.

Evitar os olhares dos vigias do Leão não era tarefa tão simples como parecia. A maior parte de seu relevo é de planícies, o que permitiria que qualquer montaria do Unicórnio (que se agigantava às naturais do resto de Rokugan) fosse identificada a milhas de distância. Kien-li e seu companheiro de viagem, Shinjo Tanae, tinham que se aproveitar da escuridão da noite, galopar longe das estradas principais e concluir informações precisas sem poder acessá-las de fato. Rastrear movimento, descobrir rotas de suprimento e acima de tudo evitar a suspeita de seus adversários. Grande parte disso era o trabalho dos Batedores Shinjo, e Tanae e Kien-li eram até que muito bons nisso. Havia documentos de viagem com eles, mas deveriam ser últimos recursos. A apresentação desses documentos certamente lhes garantiriam passe-livre pelas terras do Clã Leão, mas levantaria suspeitas quanto à finalidade dos exploradores. Sim, eles poderiam mentir, mas mesmo assim, nada impediria que o Leão os detivesse e os enterrasse debaixo de uma montanha burocrática até suas informações não terem mais valor para o Khan.

Acampar ao ar livre era algo natural para todo Unicórnio. Muito tempo num só lugar cozinha as idéias de um homem, já dizia o pai de Kien-li. Cavalgar sem rumo pelas terras de outros Clãs era o passatempo de vários jovens mais inconseqüentes e aventureiros do Clã Unicórnio. Os cavalos eram outra paixão deles. O céu sem estrelas e com a lua nova entristeceria a maioria das damas palacianas do Império, mas não Kien-li. Isso dificultaria ainda mais que qualquer Leão vigiando em Mitsu Ama no Mura avistasse suas tendas não muito afastadas dos limites do vilarejo.

— Se partirmos cedo, — disse Kien-li, fitando o céu. — Ainda podemos nos aproveitar da escuridão.

— Você não vai querer descansar? — Indagou Tanae, arrumando sua tenda. — Os animais precisam descansar, Kien-li. Exceto que pretenda continuar a viagem a pé.

— Quanto mais cedo terminarmos a missão, mais cedo os deixaremos repousar.

O vento confundiu o meio do outono com o início do inverno, fazendo Kien-li se enrolar em seus próprios braços, tentando afastar o frio.

— Você deveria vestir suas peles. Vai esfriar ainda mais. — Disse Tanae, sem tirar os olhos do que fazia.

— Não é preciso. Estou bem. — Respondeu Kien-li, fazendo pouco caso.

Kien-li se sentou próxima à sua tenda. Vestir armaduras seria algo que atrasaria ainda mais a viagem, e um esforço que ela julgou desnecessário para seu cavalo. Assim, ela não exibia as cores de seu Clã exceto pelas rédeas de seu cavalo. Seu kimono era mais grosso que o habitual. Próprio para viagens longas e desgaste sob sol e chuva contínuos. Ela amarrava os cabelos de tom mais castanho que o habitual rokugani num coque. A essa altura, ele já havia se desfeito, mas Kien-li pouco ligava para sua aparência. Havia um propósito especial em sua missão, e para a sua Família em especial, havia motivos para celebrar este sucesso. Os Shinjo já foram os líderes de seu Clã, mas foram expostos como conspiradores e sofreram graves baixas. Nem todas morais. Kien-li tinha um rosto que oferecia uma falsa impressão de fragilidade. Embora meigo e arredondado, a jovem tinha uma excepcional agilidade que ainda precisava ser posta à prova no campo de batalha, mas que já impressionara vários de seus senseis. Essa era sua primeira designação para fora de seu Clã natal. Ela pensou em seus pais. Se ficariam orgulhosos quando ela voltasse. E nas histórias que contaria para sua pequenina irmã mais nova sobre suas viagens. Shinjo Tanae era de um tipo mais endurecido pelo tempo. O rosto esguio olhava para tudo com certo distanciamento, não se deixando ser afetado. Em todo esse tempo de viagem, Kien-li quase não se lembra de tê-lo visto manifestar qualquer emoção. Seja um sorriso por um êxito ou ao menos a frustração de um insucesso.

— Você deveria descansar. — O tom de Tanae foi seco como de costume. — Descanse primeiro, eu vou ficar de sentinela.

— Obrigada, Tanae. Mas prefiro ficar com o primeiro turno. Descanse o que achar que é necessário. Assim que me levantar, será para partirmos.

Tanae se espreguiçou.

— Tudo bem, então, Kien-li. Se ouvir qualquer coisa-

— Eu sei. Eu o acordo. Não é meu primeiro turno de vigia, Tanae.

— Bom turno para você então, garota. — Desejou Tanae, já se retirando para sua tenda.

— Boa noite para você, Tanae. — Retribuiu Kien-li. Ela continuou a pensar nas questões anteriores. E no que já obtiveram até agora. O Clã Leão estava fortificando como previsto as regiões vizinhas a Kaeru Toshi, devido aos últimos ataques do Unicórnio para reconquistar sua cidade. Para o Khan, porém, Kaeru Toshi por si só pouco significava, e Kien-li sabia disso. A tomada da cidade seria apenas uma amarga derrota para fazer o Clã Leão engolir seu orgulho. Qualquer outra cidade poderia servir a este propósito. Com a vantagem da mobilidade da cavalaria, o Clã Unicórnio poderia facilmente montar e lançar um ataque em alguma localidade desguarnecida das terras do Leão ainda antes do inverno chegar e modificar a paisagem com neve. Então, seria tarde demais para o Leão lutar por uma retomada. As incursões de Kien-li e Tanae confirmaram que as defesas do Clã Leão diminuíam à medida que se afastavam de Kaeru Toshi, pelo menos em direção ao oeste. Certamente que o Khan ficaria muito satisfeito com essa informação. Talvez os dois já estivessem prontos para voltarem. Quanto mais cedo voltarem, mais tempo seu Clã teria para organizar seu plano. E ela ainda poderia passar o inverno na casa de seus pais. Com sua irmã caçula. A imaginação afastava o sono da batedora, sentada à entrada de sua tenda. A noite esfriava cada vez mais fria, tal qual dissera Tanae. Foi então que ouviu um barulho vindo dos cavalos.

Os dois cavalos estavam bem, e isso fez com que Kien-li respirasse mais tranqüila. Ela se aproximou de seu cavalo, pois notou que ele também não dormira até então. E estava um pouco inquieto, provocando o baixo farfalhar das patas sobre a terra.

— O que foi, Shiro? Sem sono também, garoto? — Perguntou a jovem num tom de afeto, acariciando o focinho do animal. Shiro bufou um pouco, feliz pela presença de sua amazona ali. Kien-li praticamente cresceu ao lado de Shiro, foi com ele que aprendeu a cavalgar, ao lado de seu pai. Shiro também era o nome do pequenino cavalo de madeira que usa irmã caçula sempre carregava consigo. Pelas Fortunas! A menina não largava daquele boneco por nada! Ela dizia empolgada que quando crescesse, cavalgaria como sua irmã mais velha e derrotaria muitos bandidos, num outro cavalo também chamado Shiro. Essas lembranças deixavam a batedora mais calma, e pareciam também acalmar Shiro. Ele foi ficando cada vez mais calmo, cada vez menos agitado, até que seu peso cedeu sobre suas pernas e o animal caiu como se de um abismo. O som rotundo do impacto assustou Kien-li, que pulou para trás. Sem saber o que fazer, e contendo as lágrimas, ela ainda observou o corpo imóvel de seu cavalo, seu amigo de infância, morto. Ela elevou as mãos à boca, como se impedisse um grito. Seus joelhos fraquejaram, mas ela encontrou forças para correr. Eram poucos passos até a tenda de Tanae. Ela chamou por ele, mas não houve resposta. Desesperada, Kien-li entrou na tenda de seu amigo para encontrá-lo com as juntas dobradas, se encolhendo de um frio indeterminado. Sua pele estava pálida e ressequida como os ossos, esses, por sua vez, que pareciam perfurar-lhe as zigomas de dentro para fora. Acima delas, olhos esbugalhados acusavam um susto de algo não visto. A boca escancarada numa inerte paródia de sede. Não que Kien-li atentasse para isso, mas seu companheiro parecia ter sido afogado num lago congelado, ou deixado para morrer debaixo de metros de neve. Isso não era importante. Fora a instantes que Tanae havia se recolhido para a tenda, e quem quer que tivesse feito isso a ele, ainda estaria por ali. Kien-li buscou a espada em sua cintura. A desembainhou num arco que rasgou o tecido da tenda de Tanae, tentando acertar qualquer assassino que ainda estivesse próximo a ela. Sem sucesso. Se apressando para o lado de fora, de onde teria uma visão melhor, Tanae sentiu um cheiro de sangue no ar, e pensou ter visto um vento vermelho.

*   *   *

O poder executivo de Rokugan é exercido, na prática, pelos magistrados. Eles são samurais designados para determinadas áreas pelas quais são responsáveis pelo cumprimento e execução das leis Imperiais e de seus respectivos Clãs. Para auxiliá-los como secretários ou subordinados, existem os yorikis. Eles são auxiliares escolhidos pelo seu próprio magistrado, que o acompanham em suas tarefas, e prestam serviços menores a ele. Já que um magistrado não pode vigiar todos os lugares de seu vilarejo, pelo menos espera-se que haja um yoriki próximo para se relatar um crime.

Nesta manhã em Mitsu Ama no Mura, o amanhecer colocou os yorikis em polvorosa. Mensagens eram enviadas, hipóteses investigadas e acima de tudo, aparências eram mantidas. Foi o próprio magistrado, porém, quem procurou Matsu Hanari para relatar o que havia acontecido. Como oficial de maior patente do Clã Leão nas proximidades, seria no mínimo de bom tom que ela ficasse sabendo do ocorrido.

A residência de Matsu Hanari no local era bem humilde para sua posição. Diferente de outras damas nobres, Hanari via pouco uso e entretenimento nas artes ou outras frivolidades. Em seu interior, apenas um quarto de poucos móveis, um oratório aos seus ancestrais, e uma sala modesta com uma mesa e apenas um servo à espera de Ikoma Niro. Niro era um omoidasu, um cortesão que também era versado nas artes da guerra. Como historiador, primeiramente, incentivava os soldados de seu Clã exaltando seus espíritos através dos feitos dos valorosos guerreiros do passado do Leão. Por seu tato para a pesquisa e por não se provar um inútil em batalha, Niro foi designado como magistrado desta região de seu Clã. A corte, porém, o ensinou a conter seus pretensos instintos guerreiros. Seu olhar era calmo, cercado pelos sinais da idade e pela experiência de quem já viu vários campos de batalha. E neles, seus mais mortais inimigos não portavam armas.

— Perdoe-me perturbá-la, Matsu Hanari-sama. — Niro se levantou da mesa em que aguardava sua anfitriã. Ele já mostrava dificuldades em fazê-lo com rapidez. O magistrado se curvou profundamente para a guerreira. — Lamento vir interromper seus afazeres e tirá-la de seu merecido descanso.

— Não me incomoda de modo algum, Ikoma Niro-san. — Hanari retribuiu a reverência, e gesticulou para que os dois se sentassem à mesa. Com um olhar, ela dispensou seu servo. — O senhor sabe que sempre é um prazer recebê-lo em minha casa, e no dia em que eu descansar dos deveres para com meu Clã, Kami Akodo-sama em pessoa terá que me levar embora.

Niro esboçou um sorriso. O fulgor da juventude resplandecia em Hanari. Seu fervor pelo Clã parecia refratar-se pelos poros das vestimentas simples, cáqui e marrom que usava. Seu cabelo estava prontamente amarrado. Embora fosse uma guerreira nata, Hanari não via motivos para faltar com o devido decoro em tudo o que fizesse.

— Ninguém gosta de ser o portador de más notícias, Hanari-sama, mas, antes de mais nada, sobre seu incidente na casa de sakê ontem à noite…

— Niro-san, Ukida foi-

Niro apenas retirou uma mão das mangas de seu kimono e levemente girou sua palma para Hanari. Um simples gesto com tamanha autoridade foi o suficiente para fazer a guerreira se conter.

— Eu compreendo plenamente sua atitude e gostaria de reforçar meu pleno apoio à sua… Correção ao gunso Akodo Ukida. — Niro fez alguns segundos de silêncio, como se ponderasse um pensamento estrategicamente. E depois disso, se permitiu um comentário quase sussurrado pelas costas de sua mão. — E como eu queria estar lá para ver você dar uma surra nele, garota!

Duas gargalhadas modestas correram pela sala.

— Fico muito lisonjeada pelo seu apoio, Niro-san. — Hanari orientou seu servo que voltara com o chá para que servisse primeiro a Ikoma Niro, e ela em seguida.

— Mas como eu dizia antes, Hanari-sama, — Niro assentiu para indicar que estava satisfeito de chá em seu copo. — Não são tão bons ventos o que me trazem aqui hoje. — Hanari esperou até que seu servo terminasse para dispensá-lo. Só quando a porta se deslizou novamente, fechando-se, Niro prosseguiu. — Venho hoje aqui apenas como mensageiro. Como oficial de mais alta patente na região, a senhorita deveria ser avisada. Os boatos que Akodo Ukida investigava eram verdadeiros.

Os olhos de Matsu Hanari percorreram a sala, tentando se lembrar do que era.

— Unicórnios? Aqui?

— Sim, e este é apenas o lado bom da notícia. Encontramos dois batedores não muito longe do vilarejo. Estavam mortos, juntos de suas montarias.

— Então menos mal. Não retornarão para nossos inimigos com informações.

— Muito me felicita isso, Hanari-sama. Contudo, as circunstâncias em que foram encontrados é que me assustam. — Niro pareceu sussurrar uma prece de perdão às Fortunas por citar este assunto na frente de uma dama honrada. — Hanari-sama, eles não foram mortos por armas humanas… E meus yorikis confirmam que animal algum poderia ter feito aquilo.

— E o que matou os dois, então?

— Não é com isso que deva se preocupar, Hanari-sama. Com todo o respeito, isso cabe ao magistrado, que porventura sou eu. Estamos investigando o caso e em breve encontraremos esse monstro. Os corpos já receberam os devidos ritos pelos shugenjas, e uma mensagem já está a caminho do Clã Unicórnio. Contudo, gostaria de deixar a chui-sama avisada de que os magistrados de jade estão a caminho.

3 comentários :

  1. Parabéns por estar no Contos da Blogosfera!

    ResponderExcluir
  2. Q os clérigos rezem pela Hayashi no Ie então! XD

    Ainda vou esperar até dia 30 pra ver se consigo escrever o conto medieval "clássico" q eu quero até lá.

    ResponderExcluir
  3. Bom, apesar de eu conhecer um pouco de Rokugan eu ainda não descobri quem, ou o que , exatamente é o vento vermelho. Os unicórnios estão bem retratados, assim como eu pessoalmente acho que os leoes foram. Acho eles muuuuito paladinos, e paladinos são um porre!
    Mas esta me deixando de cabelo em pé.
    Não vejo a hora de sair o resto...

    E tadinho dos cavalinhos...
    Tadinha da irmazinha...

    ResponderExcluir

Leia Também:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...