4 de julho de 2011

Como Gerar um Conflito?

Olá a todos.

Bom, andei pensando muito sobre assuntos que possam vir a ser legais para escrever a respeito, e acho que este seria um bom para se falar. Em parte, porque é uma necessidade quase universal dos RPGs. Os jogadores defendem um lado "certo", e por isso se opõem a algo nitidamente "errado" ou que ao menos os prejudica em algum nível. É daí inclusive que surge o clichê de termos heróis bonzinhos e vilões malvados. Se é clichê é porque funciona, e não vejo nada de errado em sair por aí com armadura reluzente, cabelo ao vento, a pleno galope, quebrando o monstro vil que raptou a princesa de seu castelo. Mas, o que torna um conflito interessante? O que nos atrai tanto na jornada de Frodo até a Montanha da Perdição? Por que os atritos de L5R geram tanta discussão ética e metafísica entre os jogadores? Por que Shakespeare (neste contexto, principalmente Romeu e Julieta) continua sendo tão contemporâneo hoje quanto era há mais de 300 anos atrás?

Para conhecer sobre a "jornada do herói",
este é o cara.
Eu poderia começar este post filosofando um pouco sobre a jornada do herói na mítica ocidental como o indivíduo que faz sua sociedade prosperar diante de um mal, ou aquele que restitui a ordem abalada pelo mal. Este é um assunto extremamente denso, sobre o qual muita gente já falou muita coisa e de maneiras muito melhores do que eu faria. Assim sendo, vamos nos concentrar no fato do herói ser sempre o cara que resolve o conflito a favor da sociedade que representa. E se este lado vence, logo seu discurso passa a ser o certo (não que eu esteja tecendo uma ode ao nazismo, mas nós mesmos só o vemos como algo inaceitavelmente criminoso porque... Bom, porque ele perdeu. Tivesse Hittler e seu discurso maluco sobre superioridade racial e eugenia vencido, teríamos certamente uma noção bem diferente de mundo). E se o outro lado perde, logo este passa a ser o lado mau. O herói é aquele que triunfa sobre o mal. Nele está contido a virtude, beleza, força ou sabedoria que o conduz à vitória, mas, acima de tudo, cada herói visa ser a encarnação e expressão mais eficaz da ideologia que representam.

Ex-presidente dos EUA George H. W. Bush. Herói
para uns. Vilão para muitos.
E é neste ponto que quero discutir que um conflito muito mais interessante (pelo menos logo de cara) que o típico "herói super-macho matando monstro feio para resgatar a dama indefesa e feminina"* é o que temos quando duas encarnações de ideologias opostas se conflitam. Novamente, males absolutos sim, continuam sendo área de ação dos heróis típicos, mas o perigo maior (e mais interessante) surge quando os dois lados se vêem como certos, e enxergam o outro como o mal. Vou me auto-citar como exemplo: Nos Contos das Terras Longínquas, temos o vilão Charchadrax. O rei deus dragão que traiu seus irmãos sentenciando os filhos destes à morte, tornando-os os mortais que habitam o mundo. Isso foi algo ruim? Na ótica de pelo menos uns 98% das pessoas, imagino que sim. Mas, e se perguntarmos a Charchadrax por que ele fez isso? Ele diria certamente que o fez porque seguia as ordens dos deuses superiores e pais dos deuses dragões, que eram de amar o mundo e seus habitantes ao máximo. Charchadrax os amou tanto que os quis eternamente para si. Não havia nada mais a ser criado de bom, pois ele não podia enxergar nada na gloriosa criação de seus irmãos que pudesse melhorá-la. Quando o ex-rei deus dragão dourado mostrou o que fizera, ele foi condenado e quase morto como punição. Isso fez dele um vilão? Na visão de quase todos os outros personagens da história (principalmente os mortais) sim. Na visão dele, fez dele um mártir, que aguarda eternamente pela recompensa pela fidelidade às palavras de seus pais. Casos semelhantes existem aos montes por aí: Horda e Aliança em Warcraft, Gozoku e Imperador em L5R, Raito e L em Death Note, Camarilla e Sabath em Vampiro, mutantes e humanos em X-Men e a (nada) santíssima trindade de Lobisomem... Basicamente, temos dois lados cujas motivações são pelo menos quase igualmente válidas numa discussão.

A grande dica é esta então: Quando só um lado tem a razão, o que temos não é um conflito, e sim um massacre discursivo em seu favor. Apenas quando os dois lados têm razão, aí sim temos um conflito.

Eisen: Uma sombra da glória que já foi. E uma ovelha
no meio de lobos.
Tudo bem. Já sabemos como criar um barril de pólvora pronto para explodir e como se divertir horrores com isso. Mas, e quando o que temos é exatamente o contrário disso? Como quando o lado "certo" se mostra incrivelmente desfavorecido e seus heróis então têm que encontrar meios não tão usuais assim para fazê-lo vencer? Seriam esses os casos de Davi contra Golias? De Frodo contra Sauron? Esparta contra Pérsia? A lista se estende muito ainda além disso. Se bem que no caso de Esparta eles não acabaram vencendo, mas tudo bem... Mas a pergunta a que quero chegar é: Isto também pode ser interessante? Claro que pode! É o caso em que Eisen se instaura no cenário de 7th Sea no contexto mencionado no livro do jogador. O país todo foi destroçado pela Guerra da Cruz. Privado de recursos num cenário onde a nobreza e o tradição vêm sendo cada vez mais substituído pelo poder tecnológico e econômico, a ex-maior potência militar de Theáh se vê como uma excelente jogadora analógica num mundo cada vez mais digital. Colocar os personagens dos jogadores (supostamente os heróis da história) para agirem a favor deste cenário pode ser bem legal!

Vai me dizer que imagens assim não inspiram
vocês, fãs de medieval?
Isso quer dizer que heróis também protegem os mais fracos? Bom, não necessariamente. Isso seria uma contradição na qual muitos metem os clérigos de Mishakal de Dragonlance. Basicamente, um herói defenderá a ideologia que representa, e não raramente atacará algo que vá de encontro a ela. Sim, o típico paladino D&Destico ajudará os pobres, mas não espere que ele leve o pobre necromante falido ao lar dos desabrigados. Ele preferirá muito mais enfiar um Destruir o Mal na cabeça do mau velhinho.  Neste sentido sim, há uma contradição em ajudar os mais fracos. O que acontece é que o típico herói medieval maniqueísta defenderá sua sociedade civilizada, legalista e feudal do ataque de uma horda bárbara de orcs demoníacos homossexuais. Mas não por ela ser mais fraca que a outra, mas sim porque representa melhor os ideais que ele defende.

Em suma, o conflito é basicamente a razão de quase qualquer narrativa de RPG. Se a narrativa percorre grande espaço sem nada conflitante, basicamente não há ponto de interesse para que os personagem respondam. Isso sem contar a necessidade de vilões proporcionais às dimensões do herói. Um raciocínio nem sempre válido, mas que funciona bastante mesmo assim. Todo grande herói praticamente só o é após enfrentar um grande vilão. Assim, para grandes momentos e belas oportunidades de ações e falas marcantes, é bom como Mestre planejar conflitos diretamente proporcionais.

___________
* De maneira alguma deve-se entender meu uso da palavra "feminina" como machista ou chovinista. Apenas me refiro ao esteriótipo arcaico de interpretar o sexo feminino como frágil e indefeso no arquétipo da típica princesa medieval, a ser salva pelo seu cavaleiro de armadura brilhante e sorriso Colgate.

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