13 de novembro de 2011

Corte de Inverno: Regras VS. Roleplay

Sim, é óbvio.

Este post é intensamente inspirado na discussão instaurada nO Clérigo. Bem como nas outras Cortes, o que consta abaixo é apenas minha opinião inicial sobre o assunto, e não deve ser vista como mais nada além de um pontapé inicial para a discussão a ser seguida aqui.

O assunto em si de maneira alguma é algo recente, ou sobre o qual há pouco material a respeito. Uma das coisas mais comuns da Net RPGística é exatamente gente discutindo e dando opiniões a respeito dos conceitos da limitação entre essas áreas em não raras vezes concorrentes entre si. Tem gente que até não se toca, mas já tece opinião a respeito.


Basicamente, esta dicussão nos remete ao clássico conflito hipotético D&Destico: O grupo de aventureiros se depara com um enigma. O jogador do mago (MUITO provavelmente o maior modificador de Inteligência) apóia as costas na cadeira, pensativo. Sua mão coça o queixo enquanto seus olhos relêem sua ficha e sua mente tenta se lembrar de algo da aventura que possa vir a ser útil. Enquanto todos tentam perguntar ao Mestre sobre itens na sala, posição dos objetos, móveis ou até mesmo condições astrais, eis que o jogador do bárbaro (com genial Inteligência -1) simplesmente tem um insight e dá a ação que realmente resolve o enigma. O bárbaro brada a resposta, encaixa a peça, movimenta os mecanismos... As portas da sala se abrem, o grupo encontra o tesouro, a armadilha mortal é desligada... Enfim, coisas felizes acontecem. Todos ficam felizes e saltitantes. Mas... Mais alguém notou uma gritante contradição aí?


Ora, se era uma atividade intelectual, por que não foi resolvida pelo especialista nessa área (no caso, o mago)? Por que o jogador dele não pensou nisso antes? Por que ele não deveria jogar de mago, já que pelo visto o jogador de bárbaro é mais inteligente que ele? Neste caso, ser "inteligente" deveria ser um inibidor para jogar de bárbaro? Ou será que o combo irresistível de "jogador inteligente + ficha combada" seria totalmente ideal?

Supondo que numa mesa e sistema todos os personagens são iguais, equilibrados, suas especialidades sejam igualmente respeitadas no decorrer da história, então por que o mago não poderia resolver seu problema tão simplesmente quanto o bárbaro frenécito e espumante resolveria seus conflitos típicos (combate)? Ou seja, com rolagens de dados? Ou alguém aqui joga D&D com combate PURAMENTE interpretativo?

Antes que os defensores de "Roleplay" ou "Regras" comecem a atirar pedras uns nos outros, eu creio que grande parte desta desavença seja histórica. Nos primórdios do RPG, havemos de convir, as regras eram horríveis. D&D usava e abusava de "Save or Die"s da vida, o cenário e o sistema de WoD eram tão auto-destrutivos que uma total reformulação de ambos para o público contemporâneo se fez mais do que necessária, e até mesmo L5R precisa de reestruturações quase totais de tempos em tempos. Querem ver exemplos de como a atenção, não às regras em si, mas às qualidades delas tem sido levada mais a sério nos últimos tempos? Parem para ler, na lista de créditos, a quantidade ABSURDA de pessoas testando as regras de Dresden Files, um RPG interpretativo e que não deveria ter tanta ênfase nas regras. O playtest de L5R 4th tem até um blog onde qualquer um pode ir lá dar opiniões a Dave e seus amiguinhos.

Fato inquestionável é que regras mecânicas são parte intrínseca do RPG de mesa. Algo totalmente interpretativo sem tanta ênfase assim em números, bolinhas e dados seria atingível muito mais facilmente hoje num PbF ou coisa que o valha. Assim, investir em qualidade de regra é investir no próprio RPG em si. Se o RPG hoje evoluiu alguma coisa em relação ao de décadas atrás, agradeçam aos senhores não raramente calvos ou grisalhos que ficam calculando e testando métodos novos de fazer o gesto mais característico do RPG: rolar dados.

Mas, por mais que regras mecânicas sejam coisas muito legais, úteis e divertidas, também é verdade que elas só servem para uma coisa: Limitar suas ações. Por mais que sua ficha diga aquilo que seu personagem pode fazer, e quais suas especialidades, e por quais meios ele poderá interagir com o cenário, a maioria dos Mestres que gosta de "arrancar o couro de seus jogadores" provavelmente atentaria mais para o que não está na ficha e conceber desafios interessantes a partir daí. Sim, regras poderiam ser alteradas, mas acho que todos nós já notamos o quanto tem sido progressivamente mais difícil modificar algum pormenor no sistema d20. Se em AD&D, aos olhos de hoje, era fácil modificar qualquer coisa, na 3ª seria quase que mutilar algumas classes arrancar algumas coisas que eram um pé no saco como componentes materiais, ataques de oportunidade ou tentar equilibrar conjuradores e combatentes (outra velha briga). Isso tendeu a mudar na 4ª edição, que tem sido muito mais equilibrada e infinitamente melhor projetada em termos de regras. Porém, caso haja algo que o desagrade na 4ª edição, modificá-lo de maneira equilibrada seria exponencialmente mais difícil do que já era na 3ª. E não era fácil lá...

Grupo de D&D: Cada um especialista numa coisa.
E ninguém se mete na área de ninguém.
Voltando ao exemplo do mago fulo porque não resolveu o enigma: Lembro-me de em certa vez ter encontrado um argumento mais ou menos assim nas discussões RPGísticas net à fora: "Se meu personagem fosse cortar ao meio um orc com um machado e o Narrador pedisse que eu (jogador) fizesse o mesmo seria um absurdo gritante. Então por que eu deveria fazer o mesmo num teste social/intelectual?". Concordo bastante com esse raciocínio. Por isso gosto tanto assim do SIFRP, onde "social" e "combativo" são quase equilibrados em termos de poder. Por este prisma, sou SUPER a favor de resolver questões social ou intelectualmente relevantes com rolagens de dados puras e simples. Primeiramente pela praticidade. Afinal de contas, nem todos temos capacidade ou paciência para ficar gerando discursos elouquentes ou ficar interpretando todas as nóias daquele personagem malkaviano em Vampire. Em segundo lugar porque incentiva os jogadores a investirem mais nessas habilidades em ficha do que em habilidades combativas. Ex.: Em L5R, se não tivermos teste algum de Corte/Intimidação/Etiqueta/etc., então qual seria a diferença em ter uma delas em 4 ou 5? Isso iria de encontro a um dos raciocínios do cerne do sistema que busca criar samurais destros tanto na corte quanto na espada. Ora, Kenjutsu sim faz diferença de 4 para 5, mas "Corte? Pra quê aumentar isso? 4 já tá ótimo!".

Clinton: Advogado de regras de nível épico!
E voltando também à questão da evolução RPGística: Ora, creio que hoje as regras sejam melhores (pois evoluíram das antigas), mais equilibradas, sucintas e divertidas. O ideal seria que todo jogador conhecesse o sistema jogado. Lesse pelo menos o livro básico e já chegasse para jogar sem exigir que o Narrador explicasse as regras, perdesse tempo, fôlego, água e fosfato nisso. Isso geraria combeiros e advogados de regra? Quase certamente que sim, mas não vejo isso como algo ruim. Ora, se um Narrador "rouba" por desatenção (acontece), então que um jogador se levante para corrigi-lo em nome da justiça e equilíbrio (que supostamente tantos playtesters e game designers foram pagos para que um sistema tivesse). Salvo as devidas restrições, eu vejo isso como a questão em que todo cidadão tem o direito de conhecer as leis do seu país. Tudo bem que Brasil isso tá longe de ser incentivado. Mas, não vejo porque saber sobre o RPG em si prejudicaria a diversão do grupo. Sim, é claro que um jogador poderia dar a ação de falar: "Cuidado! Estamos enfrentando uma fera deslocadora! Ela cria uma imagem ilusória de si própria, que dificulta ataques corporais. Por isso, prefiram ataques em área!" porque o jogador sabe, mesmo que o personagem não. Mas isso não é defeito do jogador saber demais. O problema é o jogador ter a língua grande demais.

Falando nisso, me vem à mente um  exemplo de regras de Scion: o personagem tem a casa invadida por um monstro (se não me engano, uma espécie de ogro). Neste momento, o personagem poderia tentar agarrá-lo e se valer da Força Épica. Mas aí o jogador pára e pensa se seria REALMENTE uma boa idéia agarrar aquele bicho tendo em mente as regras de "Agarrar". O jogador não está pensando "combadamente". Está fazendo aquilo que o personagem dele até poderia estar pensando também... Isto também não seria interpretação?

Isso quer dizer então que mesmo que um jogador interprete uma solução muito legal para resolver um desafio social, por exemplo, isso não deveria ser considerado bem sucedido sem antes um teste equivalente por parte do personagem? Acho que orientei bastante meu raciocínio para dizer um "sim", mas muitos facilmente diriam não. Eu fico com o meio termo (???). Tudo bem, rolamos os dados. Se não tiver saído algo tão legal assim, talvez algo interrompa o personagem, ele engasgue, ou qualquer outra coisa interfira para que o argumento, embora muito bem pensado, acabe não sendo tão eficaz assim. Um exemplo de equivalência combativa seria aquele icônico momento D&Destico em que todos os conjuradores do grupo maximizam o guerreiro para seu golpe final num momento decisivo. Todas as fichas estão no seu último golpe antes do dragão incinerar todos ali/o necromante encerrar o ritual corruptor/etc. Tudo é favorável a ele, mas também muito dramático. É tudo ou nada. O jogador do guerreiro pega confiante seu d20, rola ele. E a cada impacto das arestas sobre a mesa as respirações param. Até que ele enfim para... No 1. Tinha tudo para ser, mas não foi. Acontece... Já joguei muito tênis, mas hoje em dia prefiro ficar assistindo. Vi várias momentos como este no recente Masters 1000 de Paris (que acabou hoje). Aquele momento em que você jogou seu adversário para fora da quadra, ele devolve uma bola extremamente fácil, o outro jogador corre em antecipação para a rede, ele tem praticamente qualquer lugar da quadra adversária para fincar seu ponto e... Bate pra fora, acerta a rede... Enfim. Falhas crítica acontecem...

No fim das contas, interpretação e regras são coisas que devem sempre estar em igual medida. Fato, isso é humanamente inviável. Seja por nossas predileções pessoais, ânimo do grupo ou até mesmo rumos que a aventura acaba tomando, uma ou outra acaba tendo predileção.

O post já está bem longo, e encerro por aqui hoje. E vocês, ainda gostariam de acrescentar algo?

9 comentários :

  1. Eu estou tentando mestrar uma campanha de Pathfinder, e decidi "ignorar" as tendencias... Incrivel como algo que pareceu tão simples de inicio ta dando tanta dor de cabeça...

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  2. Eu concordo com você, Hayashi. Regras nunca me incomodaram, de fato acho que elas podem dar um "norte" ao jogo, para que tudo não fique em demasia na mão do narrador, ou para que aquele jogador expansivo não tome as rédeas da aventura inteira com sua interpretação. Mas também acredito que o ideal seria um equilíbrio entre regras e interpretação, e acredito que o conceito chave aqui é o bom senso. Bom senso do mestre e dos jogadores é fundamental. É esse bom senso que decidirá em que situações as regras deverão ser utilizadas e em que situações a interpretação será suficiente. E acredito que aliar as duas coisas sempre dá resultados interessantes. É interessante também ter de interpretar uma falha, lidar com imprevistos criados pelos dados. Nunca achei isso tão ruim.
    Quando vi a enorme discussão no blog do clérigo, só pude pensar o quanto de tempo todos perderam ali, quando poderiam estar jogando e se divertindo, ao invés de estar discutindo um jogo de maneira tão dogmática. Mas o ser humano gosta de brigar por facções, eu acho.

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  3. Bom sendo é fato importantíssimo, Astreya. De maneira alguma sou contra ele. O q não gosto é qdo a empresa joga no colo do bom senso do grupo coisas q poderiam ter sido resolvidas com um playtest mais atencioso. Tipo: "De modo geral, conjuradores são lixo na frente dos combatentes de D&D. Só depois a balança se inverte radicalmente. Cabe ao Mestre criar meios de equilibrar isso criando oportunidades de RP pra esses caras". Isso, claro, de modo bem geral e exagerado. Custava a Wizards equilibrar isso? Tipo, eles equilibraram. >EU< é q acho essa idéia de equilíbrio meio furada.

    Hm... Ser humano gosta de brigar por facções?... Acabo de entender pq RPG faccional (L5R, WoD, Forgotten, SIFRP, etc.) faz sucesso. XD

    Ah sim. Isso me lembra de algo interessante: As Terras Longínquas ainda não morreram. Estão no freezer, mas ainda pulsando. Igual o Walt Disney. XD

    Ando pensando em desenvolver até mesmo um jogo de tabuleiro inspirado no cenário. Aí sim, sintam-se à vontade para escolher suas facções e partir pra cima das facções dos seus amiguinhos! XD

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  4. Concordo com você Hayashi, hehehe. Que bom que as Terras Longínquas não morreram!

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  5. Gostei dos argumentos que você expôs. Essa dúvida sempre fica em minha cabeça quando proponho um teste social ou mental: deixar o jogador ou o personagem resolver?
    Sei que, como jogador, é frustrante fazer um personagem social e não ter oportunidade de interpretá-lo apropriadamente por conta de um jogador mais espaçoso (jogador este que muitas vezes conscientemente não coloca nenhum atributo social, confiando no mestre preferir o roleplay). o mesmo vale para personagens mentais.
    Como solução eu adoto: O jogador sempre expõe seus argumentos e então rola o dado. O resultado do dado vai decidir o sucesso, mas o jogador sempre deve interpretar a cena. Como você disse no começo do post, nenhum jogador deveria se sentir limitado a criar personagens. Se eu posso não ter força física e criar um Hida que levanta castelos, porque não posso ser tímido e interpretar um cortesão escorpião?
    Sempre fui muito a favor da liberdade de escolha na hora da criação da ficha, mas também não aceito que jogadores comecem a usar conhecimentos em off para se beneficiar em on.
    Se o jogador é campeão brasileiro de charadas e quer utilizar isso no jogo, que compre a perícia charadas, oras.

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  6. Creio não haver meios definitivos de tirar essa dúvida em 100%. Mas isso fica sonoramente mais difícil em d20, qdo as habilidades mecânicas socias do seu personagem se resumem a F. Vontade, Diplomacia, Blefar e Intimidação. Outros sistemas já conseguem trabalhar mais facilmente com isso. Bem ou mal, L5R 3ª fornecia um verdadeiro canivete suíço de perícias sociais, q teve até q ser bem resumido na 4ª, por exemplo.

    Basicamente, essa é a solução indicada por todo mundo. Rolagem + RP e sujeita a uma análise final à combinação dos dois no crivo do Narrador.

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  7. Chegando meio tarde, mas como o blog se alimenta de comentários...

    Realmente é impossível definir uma diretriz ideal para esse conflito, cada mesa tem o seu equilíbrio único de pessoas que gostam de RP ou de regras (ou tem uma preferência em diferentes níveis).

    Uma coisa que funcionou na minha mesa é: você pode interpretar o que quiser, mas faz o teste... hoje em dia a gente rola antes e interpreta o resultado...
    -diante de um enigma
    -"eu acho que..."
    -*rola 3 no d20*
    -"... eu não tenho a menor ideia de como resolver isso."

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  8. Concordo com seu ponto Hayashi. Se bem que gosto de deixar o roleplay fluir, ignorando rolagens desnecessárias. Costumo pedir rolagens casuais para ver, por exemplo, para onde uma conversa esta indo, mas confio nos jogadores para interpretarem devidamente (e puxo orelhas quando acho q eles fazem/dizem algo inapropriado).

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  9. Eu não li completamente pela falta de tempo, mas eu gosto de lembrar uma vantagem das regras:

    Quando você sabe e o personagem não, é simples você ficar quieto. O drama é: E quando o personagem sabe e você não?

    Imagino-me uma pessoa tímida, sem tino pra cortes, mas que gostei de uma escola de cortesões como os Kitsuki e quero agir. Se deixar pelo Roleplay apenas, mesmo tendo Corte 6 e Atenção 5, seria um desastre sem tamanho.

    Eu acho que usar regras para rolagens sociais plenamente aceitável desde que você não role socialmente para cada parágrafo que você disser. Conversar casualmente com amigos é uma coisa. Convencer um inimigo a aceitar seu ponto de vista é outra.

    Eu elogio muito o trabalho do Hayashi e sigo nos meus elogios

    Abraço!

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