18 de fevereiro de 2011

Desabafo: Contradições do Público RPGista Nacional

Esses dias eu tenho parado muito para ver os downloads do 4Shared daqui do blog. Tenho postado pouco, em grande parte, porque as traduções têm tomado um tempo enorme e também porque... Bom, porque falta assunto mesmo. As campanhas online estão congeladas até segunda ordem, assim como, creio eu, também estará minha contribuição geral ao RPG.

Creio ter chegado a uma epifania bem indesejosa sobre a quantas anda o povo aqui no Brasil, e acho que é melhor parar, pelo menos pra ver pra que lado cai essa Torre de Piza.


Ontem mesmo fui convidado para mestrar para um grupo de uma amiga minha daqui que perdeu o narrador. Até aí, beleza. É o tipo de convite que gosto de receber. Não que perder o narrador seja algo legal, mas o fato de pensarem em mim nessas ocasiões me faz me sentir... Menos inútil que o habitual. Bom, fato é que, ao longo da conversa sobre o grupo e RPG de modo geral, ouço a seguinte pérola: "Não gostei da 4ª edição (de D&D). Ferraram com elfos e com os druidas.".

Elfos: a discórdia começa aqui.
A saber, até hoje não sei onde os elfos foram penalizados na 4ª edição. -2 Con? Sumiu. Resistência a encantos? Tá, é, isso sumiu mesmo. Foram pros eladrins. Mas nunca vi ninguém usar isso. Agora eles saem com deslocamento normal aumentado, poder racial que me faz pensar seriamente na melhor raça pra mago ser elfo ao invés de eladrin e têm a Percepção Grupal. Que admito não fazer o menor sentido lógico, mas, bom, esse nunca foi o forte de D&D mesmo. Sim, claro. Perderam a utilíssima habilidade de acharem passagens secretas até sem querer (outra coisa que nunca vi sendo utilizada em D&D. Em suma, porque aqui no Brasil há essa fobia de dungeons planejadas. Se ninguém planeja a dungeon em si, que dirá as suas passagens secretas). Bom, o transe também foi pros eladrins, mas acho que é o tipo de habilidade que combina muito mais com seres mais "mágicos" do que com "mateiros". Aliás, esta divisão entre elfos mágicos e elfos do mato foi muito bem-vinda em Dragonlance, Forgotten e sei lá mais quantos cenários medievais. É oficializarem isso na 4ª edição que a chuva de críticas começa. Novamente, raciocínio lógico não é o forte de D&D.

Abra a janela da sua mesa! Há um mundo de RPG lá fora!
Creio que há uma imensa neofobia em relação nas discussões RPGísticas. Por mais que D&D seja o título mais influente do mercado, todas as suas vendas não são tão grandes coisas se comparadas ao "resto". Há muitos outros títulos fortes por aí que os brasileiros resolvem não conhecer, e ficarem em seus mundinhos defeituosos do pseudo-universal d20, ao invés de largarem suas esferas de segurança do complexo alfa e verem que sim, há um mundo lá fora! Dresden Files, Legend of the Five Rings/Burning Sands, Mouseguard, Rastro e Call of Cthulhu, Scion, Kult, Spirit of the Century, M&M e tantos outros títulos geniais estão por aí, dando mole. Mas o povo gosta mesmo é de ficar com seus sisteminhas pops, com defeitos berrantes, inventando as mais variadas gambiarras de regras que normalmente acabam piorando o que já tava ruim.

Ainda temos o discurso saudosista. Que diz que os RPGs novos (em suma, a 4ª edição de D&D) é uma ofensa séria aos paradigmas iniciais lançados por Gary Gygax, Rein-Hagen e Steve Jackson. Que são quase uma trindade santa por aqui. Vale a pena lembrar, nenhum desses autores recebeu sequer um décimo da ovação que recebem hoje. Sim, seus trabalhos eram admirados, mas daí pra merecer ser endeusado é outra história. Também acho muito estranho ver como esses caras são tão valorizados na hora de criticar as iniciativas contemporâneas, mas andam meio desvalorizados se formos conferir as mesas do pessoal. Alguém ainda joga AD&D? E Vampire 1ª edição? Boot Hill (assim como outros trabalhos ultra-paralelos da época da TSR) tinham contribuição fortíssima do Gygax. Alguém dá a mínima pra esses RPGs? Me irrita bastante essa iniciativa de tentar tornar o RPG algo pseudo-cult por esse caminho. Aliás, grande parte da influência do Gygax que vejo nesses jogos antigos é exatamente o que mais irrita pessoas em D&D 4th: o tabuleiro. Assim como em Mechwarrior, o povo usava mini-cenários em que cada jogador simplesmente escolhia seu personagem e equipamento pré-montados e se tacava na paulada! Era muito mais um wargame do que a noção que temos hoje de RPG. Isto pode ser considerado RPG? Bom, na época era. E, de novo, era, segundo esses mesmos autores.

"D&D 4ª NÃO É RPG, CACETA! ENTENDE ISSO, MULÉ!"
Já é mais do que fato que D&D do jeito que estava não iria suportar muito tempo a guerra perdida contra MMOs e outros jogos eletrônicos. A linguagem precisava se adaptar à do novo público, ou a própria "arte" de D&D acabaria morrendo, tal qual houve com Tunnels & Trolls (alguém lembra desse?). Esta medida nem de longe viraria a mesa, mas pelo menos ganharia tempo. Vivemos num mundo capitalista e o mercado de RPG é narrado em brigas de foice intermináveis. Ou seja, ou é isso, ou é a ruína do maior título RPGístico do mundo. Eu gosto dessas iniciativas (de transformar D&D em algo mais wargame, por exemplo), porque é isso que D&D SEMPRE foi. Se você quer interpretar de verdade algo medieval de verdade, vá jogar Pendragon. Se você quer algo heróico, tente Exalted (por sua conta e risco). Mas D&D 3.X acaba sempre ficando no meio desses extremos com um sistema esquisito e regras que nunca fizeram sentido lógico (PVs? Ataque de Oportunidade? E por que raios de motivos holísticos e sem pé nem cabeça conjuradores precisam TODOS se comportarem com magias por dia? Não que seja ruim, só que nunca deram motivo pra isso). O paradigma de classes vira e mexe arruma atritos no processo de adaptação de outras fontes de fantasia medieval. Como o cara que é mago e guerreiro ao mesmo tempo. Não um depois do outro. Ao mesmo tempo. Isto seria impossível para o maldito jogador que teima apresentar prelúdio pra isso em nível 1. A 4ª edição, pelo menos, tampa esse buraco com o Lâmina Arcana.

Não estou dizendo que "Você, seu herege cão infiel! Não terás o direito de não gostar de D&D 4th sob o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo! Agora sentirás o gosto de meu aço, mouro maldito crítico sem sentido!", e sim que 98% das críticas à nova edição não se importam muito em fazer sentido real se for parar pra levá-las a sério. Só acho que D&D 4th eleva à máxima potência aquilo que D&D sempre foi, sem tentar parecer com um "meio-D&D, meio interpretativo", como era a 3ª edição. Temos o tabuleiro pro combate "tático", os monstros são monstros e não personagens metidos a monstros e a cooperação grupal agora tá lá. Quase obrigatória. Coisa que não precisaria ter. Afinal de contas, jogo pra PvP é tudo, menos D&D.

Ler o livro não dói.
Quanto ao lado mais comodista do mercado nacional, sempre há os "Ah, tipo acim, mash eu não xou bom axim in ingrêis." paralelo ao "Ah, mas aí eu vou ter que aprendr um cistema novo? Pra q? Tem a OGL do d20, cara! Ela serve pra tudo!". Em primeiro lugar, odeio essa mania que brasileiro tem de querer decorar o livro todo, chegar na mesa com um monte de regra errada na cabeça e depois dizer que o sistema é ruim (é mais comum do que se imagina em L5R). Ou, pior ainda, a de chegar na mesa e fazer a mais capiciosa das perguntas possíveis de se fazer a um mestre na construção de personagem. A saber: "E aí? Como é o sistema desse RPG?"/"Como monta ficha nesse RPG?". Sincero, não gosto desse tipo de grosseria, mas acho que vale o toque de etiqueta: se fosse fácil responder essa pergunta em sua totalidade, não precisaria de um livro na mesa. Segundo, narrador não é feito para guardar centenas de livro na cabeça (que provavelmente, serve também a outras funções), e sim narrar a história. Sistema deve ser lido pelo grupo todo. Inclusive, daí vem a idéia de "Livro do Jogador". Ou seja, leia a budega do livro antes de fazer uma pergunta que poderia ser respondida bobamente e desperdiçar fosfato do coitado a toa. Deixe que o cérebro dele se canse fazendo coisas mais... Úteis. Como descobrindo um gancho legal. E sim, largue mão de ser pão duro e compre um livro. Leia o pdf pirata na Internet. Faça anotações, mas evite fazer perguntas que mudem totalmente o raciocínio do coitado pra outro lado apenas por que você "esqueceu qual o dado de vida do bardo".

Nisso (todo mundo com livro lido, e mais utopicamente ainda, todo mundo com seu livro na mesa), obviamente, entra o ninho de vespas que é discutir a situação econômica. Sim, mantenho meu posicionamento de que, se você for comprar o livro, vai passar fome, não compre. Simples assim. Mas também não seja um mala e não jogue também. Agora, também é uma questão de sumo bom senso diferenciar o que você pode ou não jogar baseado na sua bendita condição econômica. Também é minimamente inteligente só comprar livros que se vai usar. Sério, conheço colecionadores de D&D 3ª que só compraram livros pra pôr na estante. Não entendo esse povo.

Assim sendo, de modo geral, continuo não entendo grande parte do discurso dos RPGistas brasileiros. RPG é algo cult, mas que tem que ser caro. Porque tem que ser cult, oras! O legal é sair por aí arrotando ser um RPGista "old-school" por conhecer coisas da época da OGL. Não interessa o quanto você entende de RPG, não gostar de D&D 4th é um bom começo. Ter saudade do sistema quebrado da 3ª edição é sinal de inteligência. Sistemas quebrados são bons! Ah sim. Se o narrador quiser colocar um RPG novo na mesa, faça perguntas a ele. Ler livro requer tempo e RPG tem que ser jogo rápido. Vivemos numa sociedade imediatista.

Enfim. Por causa dessas batatadas eu ando muito desanimado com o futuro do RPG por aqui. É provável, porém, que uma nova geração venha a mudar isso. Mas, enquanto continuar essa briguinha entre edições, nichos e gêneros, todos nós saímos perdendo.

PS: Como é de se esperar, como não tem nenhum download neste post, ele não será muito lido ou sequer muito comentado.

Irônico e contraditório. Que nem os RPGistas do Brasil.

Um comentário :

  1. Fazia muito tempo que não lia algo tão, como posso dizer, construtivo.
    Gostei da sua abordagem e das críticas.
    Parabéns

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